John Chillingworth, Children play with an old tyre
Morrer devido à gravidez ou cumprir 50
anos de prisão por abortar
A jovem é portadora de lupus eritematoso discoíde - doença crónica autoimune - e tem insuficiência renal grave, casos que desaconselham a gravidez. Além disso, o feto que traz no ventre tem hipótese quase nula de sobrevivência depois do parto. Os médicos que a acompanham asseguram que se não interromper a gravidez, Beatriz vai morrer. (Ler mais...)
Haverá algo de mais aterrador do que cidadãos
emboscados e prisioneiros na própria lei do Estado? Quando um país
retira a possibilidade do aborto em qualquer circunstância, inclusivamente a do
aborto terapêutico, está a colocar alguém perante esta emboscada: ou “morres”
ou “cumpres 50 anos de prisão”.
À primeira vista poder-se-ia pensar que estamos perante mais uma discussão sobre o aborto. Mas, não, esta é uma discussão sobre as condições (desiguais) de aplicação da lei.
Locke,
um filósofo inglês e um dos principais teóricos do contrato social foi um
importante defensor da teoria dos direitos naturais, direitos que ninguém pode
legitimamente pôr em causa, incluindo o Estado. Entre eles encontra-se o
direito à propriedade (que no caso de Locke é dado pelo trabalho), à
liberdade e à vida. Estes direitos são naturais porque são universais, são
comuns a todas as pessoas e independentes das convenções humanas, pois não
dependem do sítio e da época em que as pessoas vivem e, além disso, são
descobertos apenas pela razão, porque agir contra a lei natural seria agir
contra a razão.
Se
esta fosse uma discussão sobre o aborto, estaríamos então a analisar a quem
conceder o direito natural à vida: à mãe ou ao feto?
Mas Locke defende ainda um outro
aspeto muito importante. Ele acreditava que todos os seres humanos, pelo facto
de serem pessoas, possuem estes direitos naturais, isto é, todos os
seres humanos nascem iguais em direitos naturais.
A lei que proíbe o aborto terapêutico
não garante a igualdade de direitos
naturais aos cidadãos, pois expõe uma parte dos seus cidadãos – as mulheres
– a situações que lhes vão retirar ou o direito
natural à vida ou o direito natural
à liberdade. Por circunstâncias que não escolheram (ser mulher), a apenas
alguns cidadãos pode ser aplicado este “castigo”.
Esta é a razão pela qual esta
discussão não é sobre o aborto mas sobre a igualdade dos cidadãos perante a
lei.
Todos, ou quase todos, conhecemos o
provérbio “Tão ladrão é o que rouba a horta como o que fica à porta”. Este provérbio
refere-se às condições de responsabilidade dos agentes, respondendo à pergunta “quem
deve ser responsável?”, concluindo que se a prática bem-sucedida de um ação
envolve dois agentes, então deverão os dois ser responsabilizados.
Contrariando a intuição moral do
provérbio, no caso da gravidez só um dos agentes é responsabilizado. Mas essa
seria ainda outra discussão.
Há alguns anos atrás fui a favor do aborto, depois percebi que realmente existem mulheres a usarem o aborto como método contraceptivo, e ainda que são as que mais beneficiam da lei, porque as outras, essas, continuam a não o fazer, seja por falta de informação, vergonha ou até mesmo medo. Hoje trato este assunto com muito cuidado, mas é claro que estas minhas duvidas não se aplicam ao aborto terapêutico.
ResponderEliminarEsta não é uma discussão sobre o aborto. Se fosse, não poderia estar mais de acordo. Fiz exatamente o mesmo percurso na minha opinião sobre esta questão.
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