Falar para um candeeiro...

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A Europa e os “migrantes”: “Da Crueldade e da Piedade”


Baseada na ideia de sofrimento do outro, tem-se assistido no ocidente contemporâneo a um alargamento teórico e prático acerca do Outro. Frente a um insistente cenário de controlo, de dominação e de exclusão, temos assistido a muitas discussões pós-colonialistas de condenação do racismo, muitos debates sobre questões étnicas, lutas pela desestigmatização dos deficientes, movimentos queer, discriminação positiva de género ou mesmo iniciativas pela defesa dos animais.
Parece quererem-se reconfigurar os velhos impasses através dos muitos estudos, debates teóricos, lutas ou ações concretas de organizações públicas, privadas ou da sociedade civil, como se o “Outro já não fosse feito para ser exterminado, odiado, rejeitado, seduzido mas para ser compreendido, libertado, mimado, reconhecido.” (Baudrillard, “A transparência do mal”)
Passados mais de dois séculos das Revoluções que fundaram a era moderna, procuram-se enfim novos contornos para antigos problemas.

Mas todos sabemos que não é bem assim.

Por um lado, as políticas da “piedade”, ditas inclusivas, não transformam as condições de vida daqueles a quem dirigem a sua ação (meramente) reparadora; Por outro, as sociedades modernas, desde a sua fundação até aos dias de hoje, desenvolvem um processo intenso de individualização, pelo que a “simples” política ou uma certa ideia de justiça não são instâncias capazes de reverter a desigualdade e transformar a condição social do outro, sem a implicação de cada um de nós.

Por isso, na sequência daquela frase, Baudrillard conclui: “Lá onde havia o Outro, adveio o Mesmo”.

Também Maquiavel dedicou o capítulo XVII da sua obra “O Príncipe” “à Crueldade e à Piedade”. Diz ele: “Todo o príncipe deve desejar ser considerado piedoso e não cruel; entretanto devo adverti-lo para não usar mal esta piedade (…) Um príncipe não se deve preocupar com a fama de ser cruel se desejar manter os seus súbditos unidos e obedientes”, alertando ainda para o facto da “excessiva piedade deixar evoluir as desordens”. (O Príncipe, XVII)

É também neste capítulo, que encontramos umas das mais célebres passagens de Maquiavel, segundo o qual, ao Príncipe é desejável fazer-se amado e temido. Mas, como é difícil combinar as duas coisas, muitas vezes é preciso optar entre um ou outro. Nesta caso, “é mais seguro ser temido do que amado, quando se tem de desistir de uma das duas”, isto porque “os homens têm menos receio de ofender a quem se faz amar do que a outro que se faça temer” (Príncipe, XVII). É que o vínculo do reconhecimento que mantém o amor é rompido todas as vezes em que há interesse, ao passo que o temor é mantido pelo medo do castigo, que sempre está presente.


A Europa aprendeu a lição de Maquiavel.