Falar para um candeeiro...

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Ainda Miró: poupar dinheiro aos contribuintes?

Como aceitar o argumento do governo do “poupar dinheiro dos contribuintes” para pagar uma dívida (impagável) face ao que já foi dado aos bancos e face à importância artística de semelhante património para o país?
 
Com a venda dos quadros do Miró, o governo tenciona poupar 150 milhões de euros aos contribuintes.
Ora, a nacionalização do (prejuízo do) BPN já custou aos contribuintes portugueses 6 mil milhões de euros.

E na Europa, desde 2008 até 2012, só em apoios “implícitos” (fora as ajudas diretas), os bancos já custaram aos contribuintes europeus 1,3 biliões de euros, que representa 10,3% do PIB europeu (ou seja 10,3% da riqueza produzida pelos europeus foi para salvar bancos!!).


Ver Relatório "Subsídios implícitos no setor bancário da União Europeia" em:


 

Blues para Miró: quando Duke Ellington e Miró se encontram

Só para dizer (e ouvir) que num certo dia a lenda do jazz tocou para Miró: Duke Ellington ao piano e Miró à escultura. Mágico.
 


 

Como se víssemos tudo pela primeira vez (Miró)


Joan Miró, La Masía
 
 
A infância é um sentimento em que todas as coisas regressam à luz originária.
 
Teixeira de Pascoaes, Livro de Memórias, 1928
 

Miró desde o início dos seus trabalhos encontra-se imerso na procura de um conceito de pintura ligado ao originário. Não se trata de procurar a origem no mundo idealizado, como o mundo helénico, mas nas suas verdadeiras raízes originárias, o “regresso a uma luz originária”, reinventar uma represntação do mundo com linhas muito simples.


O seu pai tinha uma pequena propriedade rural em Montroig, na Catalunha, onde Miró, (que nasceu em Barcelona), passou largas temporadas desde 1911. Nesse local o pintor recuperou de um momento depressivo e de um quadro de febre tifoide aos 18 anos. “Montroig é a força que me alimenta, o choque primitivo a que sempre regresso”.

 
Críticos e historiadores da arte contemporânea apontam o quadro La Masía (1920-1921), ainda no período figurativo, como estando na origem das formas ditas mironianas, e o próprio Miró considerava ser La Masía (A Quinta) a fundação e a chave para todo o seu trabalho.
 

Na pintura, onde a calma e imobilidade reinam, o tempo parece suspenso, na eterna leis da vida no campo, se não fosse a primeira página do Jornal de Paris – L’Intransigeant – pintado no quadro como um corpo estranho, junto a um regador, criando um par dissociativo de objetos.

 
O quadro desenvolve-se a partir do eixo do eucalipto, a árvore que centra toda a representação. À esquerda vemos a fachada da casa. Da porta de entrada podemos ver a parte posterior de um asno. Do lado oposto, à direita, centrado sob os ramos da árvore, está representado o galinheiro, emoldurado por um retângulo de cor vermelha.

A parede do galinheiro foi retirada para que visualizássemos o seu interior.

A árvore nasce de um grande círculo negro, círculo estaria relacionado com as forças renovadoras que vêm da terra. De cada lado do círculo aparecem outros dois círculos: o sol, simbolizado na roda do carro, pintado de vermelho, e a lua, à direita do quadro.

Em relação à iconografia gótica catalã, temos no espaço enquadrado pintado de vermelho, e dentro do espaço desse galinheiro, os motivos que se relacionam com a crucificação e paixão de Cristo, representando a dolorosa despedida das coisas do mundo visível, e o nascimento para outro espaço de significados, uma nova visão da pintura.

As “armas de Cristo” estão aqui representadas: a escada, o galo, o cordão amarrado e a coluna. As demais armas são indicadas: os ramos eriçados de espinhos fazendo referência à coroa de espinhos, o comedouro alude às moedas de ouro e a enxada ou instrumento agrícola representando a lança. Dentro dessa iconografia temos também os animais, onde a cabra e o coelho representariam o princípio de renovação cíclica da vida.

Na frente do galinheiro a vida brota em cada pequeno elemento, como o caracol e o lagarto que vão desempenhar um papel crucial no desenvolvimento das formas mironianas.

 No caminho que vai das lajes até ao tanque, vemos a camponesa nas primeiras luzes do dia. Ao lado temos uma estranha figura nua, agachada sobre a terra que sugere um homúnculo, homúnculo que aparece no Fausto de Goethe, e simbolizaria o caminho da transmutação espiritual para a culminação da obra. Atrás, a roda d’água gira e gira para extrair a água das profundezas. As sete marcas pintadas no começo do caminho são, junto com o arbusto, o cachorro e a letra alfa que forma uma pequena mesa de madeira, a entrada alegórica que indica esse novo começo da arte mironiana.



Para a próxima que nos sentirmos tentados a dizer “até o meu filho fazia isto”, quando virmos o traço "infantil" de Miró...
 

Referências

Balsach, Maria Josep (2007). Joan Miró. Cosmogonias de um mundo originário (1918-1939). Barcelona: Galáxia Gutenberg; Circulo de Lectores.

Nishikawa, Eunice, Miró e o originário: uma inscrição na análise de uma criança. São Paulo. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/jp/v43n78/v43n78a10.pdf