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domingo, 9 de fevereiro de 2014

Como se víssemos tudo pela primeira vez (Miró)


Joan Miró, La Masía
 
 
A infância é um sentimento em que todas as coisas regressam à luz originária.
 
Teixeira de Pascoaes, Livro de Memórias, 1928
 

Miró desde o início dos seus trabalhos encontra-se imerso na procura de um conceito de pintura ligado ao originário. Não se trata de procurar a origem no mundo idealizado, como o mundo helénico, mas nas suas verdadeiras raízes originárias, o “regresso a uma luz originária”, reinventar uma represntação do mundo com linhas muito simples.


O seu pai tinha uma pequena propriedade rural em Montroig, na Catalunha, onde Miró, (que nasceu em Barcelona), passou largas temporadas desde 1911. Nesse local o pintor recuperou de um momento depressivo e de um quadro de febre tifoide aos 18 anos. “Montroig é a força que me alimenta, o choque primitivo a que sempre regresso”.

 
Críticos e historiadores da arte contemporânea apontam o quadro La Masía (1920-1921), ainda no período figurativo, como estando na origem das formas ditas mironianas, e o próprio Miró considerava ser La Masía (A Quinta) a fundação e a chave para todo o seu trabalho.
 

Na pintura, onde a calma e imobilidade reinam, o tempo parece suspenso, na eterna leis da vida no campo, se não fosse a primeira página do Jornal de Paris – L’Intransigeant – pintado no quadro como um corpo estranho, junto a um regador, criando um par dissociativo de objetos.

 
O quadro desenvolve-se a partir do eixo do eucalipto, a árvore que centra toda a representação. À esquerda vemos a fachada da casa. Da porta de entrada podemos ver a parte posterior de um asno. Do lado oposto, à direita, centrado sob os ramos da árvore, está representado o galinheiro, emoldurado por um retângulo de cor vermelha.

A parede do galinheiro foi retirada para que visualizássemos o seu interior.

A árvore nasce de um grande círculo negro, círculo estaria relacionado com as forças renovadoras que vêm da terra. De cada lado do círculo aparecem outros dois círculos: o sol, simbolizado na roda do carro, pintado de vermelho, e a lua, à direita do quadro.

Em relação à iconografia gótica catalã, temos no espaço enquadrado pintado de vermelho, e dentro do espaço desse galinheiro, os motivos que se relacionam com a crucificação e paixão de Cristo, representando a dolorosa despedida das coisas do mundo visível, e o nascimento para outro espaço de significados, uma nova visão da pintura.

As “armas de Cristo” estão aqui representadas: a escada, o galo, o cordão amarrado e a coluna. As demais armas são indicadas: os ramos eriçados de espinhos fazendo referência à coroa de espinhos, o comedouro alude às moedas de ouro e a enxada ou instrumento agrícola representando a lança. Dentro dessa iconografia temos também os animais, onde a cabra e o coelho representariam o princípio de renovação cíclica da vida.

Na frente do galinheiro a vida brota em cada pequeno elemento, como o caracol e o lagarto que vão desempenhar um papel crucial no desenvolvimento das formas mironianas.

 No caminho que vai das lajes até ao tanque, vemos a camponesa nas primeiras luzes do dia. Ao lado temos uma estranha figura nua, agachada sobre a terra que sugere um homúnculo, homúnculo que aparece no Fausto de Goethe, e simbolizaria o caminho da transmutação espiritual para a culminação da obra. Atrás, a roda d’água gira e gira para extrair a água das profundezas. As sete marcas pintadas no começo do caminho são, junto com o arbusto, o cachorro e a letra alfa que forma uma pequena mesa de madeira, a entrada alegórica que indica esse novo começo da arte mironiana.



Para a próxima que nos sentirmos tentados a dizer “até o meu filho fazia isto”, quando virmos o traço "infantil" de Miró...
 

Referências

Balsach, Maria Josep (2007). Joan Miró. Cosmogonias de um mundo originário (1918-1939). Barcelona: Galáxia Gutenberg; Circulo de Lectores.

Nishikawa, Eunice, Miró e o originário: uma inscrição na análise de uma criança. São Paulo. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/jp/v43n78/v43n78a10.pdf


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