Falar para um candeeiro...

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

"É fazer as contas"

Dívida sobe no mínimo 6000 milhões com reclassificação de empresas do Estado. Mais aqui.

Enquanto isso a "Despesa anual de mais de 850 milhões com pensões vai desaparecer do défice". Mais aqui.


O “novo Sistema Europeu de Contas ("o conjunto de regras que definem como é que cada país deve calcular indicadores como o PIB, o défice público ou a dívida pública") vai conduzir à inclusão de mais entidades no perímetro” da dívida. A dívida "aumenta".
 
Mas, por outro lado, "desaparecem" despesas, "uma ajuda preciosa ao Governo na tentativa de atingir o objectivo de défice de 4% em 2014".

Pois…, os números são objetivos mas o resultado depende da pessoa que faz (ou manda fazer) a conta.
 
Torturem os números que eles confessam”!



terça-feira, 21 de janeiro de 2014

L’air du temps


OPERAÇÃO FURAÇÃO
No final dos anos 90, era “chique, era bem, era inteligente, era sofisticado, era distintivo, era de classe social superior” fugir ao fisco. Não através da corriqueira evasão fiscal, mas sim pelo “planeamento ou elisão fiscal”, que nada tinha a ver com a evasão. Nesse tempo, até os “fiscalistas”, os especialistas, “sorriam com um esgar de complacente superioridade quando os neófitos perguntavam se X conduta não constituía um comportamento criminoso”. Continuar a ler aqui

Estas palavras (a “linha de argumentação que o advogado Tiago Vaz Mascarenhas, acusado de 16 crimes de fraude fiscal qualificada no primeiro caso da “Operação Furacão”, apresentou a sua defesa no Tribunal Central de Instrução Criminal”) são absolutamente extraordinárias! Mas talvez mais extraordinário seja o facto delas corresponderem a uma certa verdade. “À data dos factos imputados na acusação (1999-2003) o crime de fraude fiscal era desvalorizado, socialmente e até grandes bancos ofereciam serviços de “planeamento fiscal” agressivo entendido”.

 
Ninguém levava a mal, portanto. Podia fazer-se, com a mesma naturalidade com que os banqueiros hoje dizem “Aí aguenta, aguenta”. É o ar do tempo, um ar fétido que se respira…

Vivia-se o rescaldo dos tempos do ícone Pedro Caldeira, o corretor da bolsa de valores portuguesa que dominava mais de 50% do mercado (pelo menos tina a reputação de ter sido responsável por 60% das operações que tinham lugar na bolsa portuguesa) e que no verão de 1992 foi detido nos EUA por alegados crimes de burla e abuso de confiança, sendo posteriormente absolvido de todas essas acusações (apenas um dos seus clientes manteve a acusação, todos os outros afirmaram que apesar do dinheiro que perderam, Pedro Caldeira deu-lhes a ganhar muito mais); Ou dos tempos de Mario Conde, o banqueiro que ficou famoso pelo «caso Banesto» que abalou a vida política e financeira espanhola no princípio dos anos noventa, e que foi condenado a uma pena de 20 anos de prisão por apropriação indevida, falsificação e burla.

Eram os tempos dos Young Urban Professional, YUP” ou "Yuppies”, jovens profissionais entre os 20 e os 40 anos de idade, em situação financeira entre a classe média e alta, que tinham formação universitária, e que seguiam as últimas tendências da moda: Sucederam à geração anterior, os hippies.

Continuam por aí.
 
 
 

domingo, 19 de janeiro de 2014

O euro, a surrealizar por aí

Revoltados com preços altos no Rio, internautas criam moeda $urreal, com imagem de Salvador Dalí


Nós já temos uma moeda surreal: chama-se “euro” e na outra encarnação chamava-se “marco” e era alemão.

Com a entrada de Portugal no euro, o país perdeu, pela primeira vez desde a sua fundação em 1143, a capacidade de criar moeda. Não dispomos de política monetária própria, não controlamos a quantidade de moeda em circulação, a taxa de juro, nem a taxa de câmbio. A soberania monetária foi transferida para uma nova instituição da União Europeia, o Banco Central Europeu, governada por tecnocratas, vindos de grandes instituições financeiras privadas, que, naturalmente, defendem os seus interesses.

Claro que isto não se aplica apenas a Portugal mas aos 18 países que compõem hoje a Zona Euro. O problema é que estes países caracterizam-se por uma enorme heterogeneidade. Os países do “centro”, geográfico e económico, como a Alemanha, (ainda) a França e a Holanda não têm os mesmos problemas nem os mesmos interesses estratégicos que os países da “periferia”, como Portugal ou a Grécia.
 

Portugal entrou no euro com uma moeda demasiado forte. Uma supermoeda surreal para uma microeconomia e as exportações tornaram-se ainda mais caras e difíceis (para quem não exporta “Mercedes” mas pares de sapatos) e as importações cada vez mais agradáveis. Tudo isto acentuou o domínio exportador alemão. Em nome de um mercado único, os países do “centro” da Europa inundaram as economias dos outros estados membros de dinheiro em troca da destruição do tecido produtivo desses países. Mais do que membros de pleno direito de uma união monetária, os países menos industrializados foram vistos como novos mercados. Nessa altura Portugal como mercado consumidor poderia representar, e representou, uma fonte de lucros e expansão para os capitais do norte. E para transformar países como Portugal em consumidores deram-lhes uma moeda estável, com credibilidade e juros baixos (a adesão ao euro significou uma enorme descida na taxa de juros).
 

Como competir com os países do “centro” que têm a mesma moeda, mas não têm, como nós, uma estrutura produtiva (a que ainda resta) muito baseada em setores tecnologicamente atrasados - mão-de-obra pouco qualificada, baixo padrão de especialização produtiva, logo exportações muito dependentes do preço?

A nossa falta de competitividade externa traduziu-se em desequilíbrios crescentes na balança de pagamentos, que foram iludidos pelo fácil endividamento (afinal pertencíamos à Europa e na carteira tínhamos euros).

 
Mas, quando o resultado nos rebentou nas mãos (défices sucessivos, preocupação dos “investidores”, subida do risco e, logo, dos juros, queda do investimento, estagnação económica e aumento do desemprego), quando nos revelámos tão vulneráveis ao abalo financeiro internacional, explicaram-nos que andámos a viver acima das nossas possibilidades, que não produzimos o suficiente para manter um Estado Social demasiado caro.
 

Não deixa de ser irónico que países como a Alemanha critique Portugal ou a Grécia, , pelo seu ‘despesismo’, quando o facto destes países ‘viverem acima das suas possibilidades’ lhe possibilitou gerar um excedente comercial que permite que o seu governo tenha défices orçamentais mais baixos (“Alemanha foi o único país da UE sem défice em 2012”. Onde pode ler-se também que “O défice mais elevado em percentagem do PIB registou-se em Espanha (10,6%), seguindo-se o de outros quatro países em dificuldades e sob intervenção externa: Grécia (com um défice de 10%), Irlanda (7,6%), Portugal (6,4%) e Chipre (6,3%).” Ler mais aqui. E Alemanha prevê défice nulo em 2015 e excedente nos anos seguintes”, Ler mais aqui.)

Grande Alemanha, sim senhor, o seu excedente na balança é o défice do vizinho. Por isso é que a zona euro como um todo tem uma balança corrente aproximadamente equilibrada com o resto do mundo. A zona euro é um jogo de soma nula.
 

Este é, portanto, o estado a que a nossa moeda surreal, com uma arquitetura que acentua as assimetrias e as desigualdades, nos ajudou a chegar e à qual estamos amarrados.

Até quando esta moeda surreal nas nossas carteiras e na nossa vida?