Nós já temos uma moeda surreal: chama-se “euro” e na outra encarnação chamava-se “marco” e era alemão.
Com a
entrada de Portugal no euro, o país perdeu, pela primeira vez desde a sua
fundação em 1143, a capacidade de criar moeda. Não dispomos de política monetária própria, não controlamos
a quantidade de moeda em circulação, a taxa de juro, nem a taxa de câmbio.
A soberania monetária foi transferida
para uma nova instituição da União Europeia, o Banco Central Europeu, governada
por tecnocratas, vindos de grandes instituições financeiras privadas, que,
naturalmente, defendem os seus interesses.
Claro que isto
não se aplica apenas a Portugal mas aos 18
países que compõem hoje a Zona Euro.
O problema é que estes países caracterizam-se por uma enorme heterogeneidade.
Os países do “centro”, geográfico e económico, como a Alemanha, (ainda) a
França e a Holanda não têm os mesmos problemas nem os mesmos interesses
estratégicos que os países da “periferia”, como Portugal ou a Grécia.
Portugal
entrou no euro com uma moeda demasiado forte. Uma supermoeda surreal para
uma microeconomia e as exportações tornaram-se ainda mais caras e difíceis (para quem não exporta “Mercedes” mas pares de sapatos) e as
importações cada vez mais agradáveis.
Tudo isto acentuou o domínio exportador alemão. Em nome de um mercado único, os países do “centro” da Europa inundaram as economias dos outros estados membros
de dinheiro em troca da destruição do tecido produtivo desses países.
Mais do que membros de pleno direito de uma união monetária, os países menos industrializados foram vistos como
novos mercados. Nessa altura Portugal como mercado
consumidor poderia representar, e representou, uma fonte de lucros e
expansão para os capitais do norte. E para transformar países como Portugal em
consumidores deram-lhes uma moeda estável, com credibilidade e juros baixos (a
adesão ao euro significou uma enorme descida na taxa de juros).
Como competir com os países do “centro” que têm a mesma moeda, mas não têm,
como nós, uma estrutura produtiva (a que ainda resta) muito baseada
em setores tecnologicamente atrasados - mão-de-obra pouco qualificada, baixo
padrão de especialização produtiva, logo exportações muito dependentes do preço?
A nossa falta de
competitividade externa traduziu-se em desequilíbrios crescentes na balança de
pagamentos, que foram iludidos pelo fácil endividamento (afinal pertencíamos à Europa
e na carteira tínhamos euros).
Mas,
quando o resultado nos rebentou nas mãos (défices
sucessivos, preocupação dos “investidores”, subida do risco e, logo, dos juros,
queda do investimento, estagnação económica e aumento do desemprego), quando nos revelámos tão vulneráveis ao
abalo financeiro internacional, explicaram-nos que andámos a viver acima das
nossas possibilidades, que não produzimos o suficiente para manter um Estado
Social demasiado caro.
Não deixa de ser irónico que países como a Alemanha critique Portugal ou
a Grécia, , pelo seu ‘despesismo’, quando o facto destes países ‘viverem acima
das suas possibilidades’ lhe possibilitou gerar um excedente comercial que
permite que o seu governo tenha défices orçamentais mais baixos (“Alemanha
foi o único país da UE sem défice em 2012”. Onde pode ler-se também que “O
défice mais elevado em percentagem do PIB registou-se em Espanha (10,6%),
seguindo-se o de outros quatro países em dificuldades e sob intervenção
externa: Grécia (com um défice de 10%), Irlanda (7,6%), Portugal (6,4%) e
Chipre (6,3%).” Ler mais aqui. E “Alemanha
prevê défice nulo em 2015 e excedente nos anos seguintes”, Ler mais aqui.)
Grande Alemanha, sim senhor, o seu excedente na balança é o
défice do vizinho. Por isso é que a zona euro como um todo tem uma balança
corrente aproximadamente equilibrada com o resto do mundo. A zona euro é um
jogo de soma nula.
Este é, portanto, o estado a que a nossa moeda surreal, com uma arquitetura
que acentua as assimetrias e as desigualdades, nos ajudou a chegar e à qual
estamos amarrados.
Até quando esta moeda surreal nas nossas carteiras e na nossa vida?
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