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domingo, 25 de outubro de 2015

"Império" e poder biopolítico

Michael Hardt e Antonio Negri: Empire, Multitude e Commonwealth


Em Império (2001), Michael Hardt e Antonio Negri apresentam uma teoria sobre a nova ordem mundial contemporânea. A essa nova forma de supremacia dão precisamente o nome de “Império”. Segundo os autores, o Império é a substância política que, de facto, regula as trocas globais e governa o mundo globalizado, é a face jurídico-política da globalização económica.

O conceito de “Império” caracteriza-se, primeiramente, pela ausência de fronteiras; “o poder exercido pelo Império não tem limites. Antes e acima de tudo, portanto, o conceito de Império postula um regime que efetivamente abrange a totalidade do espaço, ou que de facto governa todo o mundo “civilizado”. Nenhuma fronteira territorial confina o seu reinado.” (Hardt e Negri, 2001, p. 14)
Consideram os autores que a transição para o Império surgiu “do crepúsculo da soberania moderna (pois), em contraste com o imperialismo, o Império não estabelece um centro territorial de poder, nem se baseia em fronteiras fixas. É um aparelho de descentralização e desterritorialização do geral que incorpora gradualmente o mundo inteiro dentro das suas fronteiras abertas e em expansão.” (Hardt e Negri, 2001, p. 12)

Em segundo lugar, o Império não se apresenta como conquista histórica, e sim como uma ordem que suspende a História. “Do ponto de vista do Império, é assim que as coisas serão hoje e sempre – e assim sempre deveriam ter sido” (Hardt e Negri, 2001, p. 14). Além de estar fora do espaço, o Império situa-se também fora de qualquer dimensão temporal, “exaure o tempo histórico, suspende a História, e convoca o passado e o futuro para dentro da sua ordem ética. Por outras palavras, o Império, apresenta a sua ordem como algo permanente, eterno e necessário.” (Hardt e Negri, 2001, p. 29).

O terceiro aspeto dessa nova ordem mundial relaciona-se com o facto de apesar das suas práticas provocarem muita violência, “o conceito de Império é sempre dedicado à paz – uma paz perpétua e universal fora da História.” (Hardt e Negri, 2001, p. 15)
Por colocar-se fora do tempo, o Império apresenta-se como promotor da paz perpétua à luz da antiga Pax Romana. O Império é formado não com base na força, mas com base na capacidade de mostrar a força como algo ao serviço do direito e da paz, “a intervenção moral tornou-se a linha de frente da intervenção imperial.” (Hardt e Negri, 2001, p. 55)
E assim instaura um poder policial para intervir em qualquer região ao serviço da paz. “Dois elementos distintivos combinam-se neste conceito da luta justa: primeiro, a legitimidade do aparelho militar desde que eticamente fundamentado, e segundo, a eficácia da ação militar na conquista da ordem e da paz desejadas.” (Hardt e Negri, 2001, p. 30)

Por último, o Império atinge toda a vida social, desce às profundezas do mundo social. “Não só administra o território com a sua população, mas também cria o próprio mundo em que ela habita, regula as interações e rege a própria natureza humana. Tendo como objeto de governo a totalidade da vida social, o Império apresenta-se como uma forma paradigmática de biopoder” (Hardt e Negri, 2001, p. 15) num mundo globalizado.
O biopoder configura uma forma de poder que regula a vida social por dentro, acompanhando-a, interpretando-a, absorvendo-a e rearticulando-a. “Na sociedade disciplinar, portanto, a relação entre o poder e o indivíduo permaneceu estável: a invasão disciplinar de poder correspondeu à resistência do indivíduo. Em contraste com isso, quando o poder se torna inteiramente biopolítico, todo o corpo social é abarcado pela máquina do poder e desenvolvido nas suas virtualidades. Essa relação é aberta, qualitativa e expressiva. (Hardt e Negri, 2001, p. 43)

O conceito de Império fornece o nível de generalização adequado para se compreender o problema da dívida em toda a sua real extensão. “Temos de aceitar o desafio e aprender a pensar e a agir globalmente” (Hardt e Negri, 2001, p. 227), quanto mais não seja porque a dívida, ela própria, também está em toda a parte, é cada vez mais uma relação universal que se apodera de toda a sociedade, que invadiu as formas de vida e que se alarga a todas as suas etapas.

Como o Império, a dívida não tem fronteiras. Estamos no terreno biopolítico. A dimensão do problema ocupou a vida, dá-se em todo o tempo e em todos os lugares.

Hard Michael e Negri, Antonio (2001). Império. Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Record (3ª edição)





quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A agenda moral da corrupção

Cartier Bresson

De forma recorrente, continuo a ouvir o discurso anticorrupção…
Vejo a corrupção surgir na agenda moral das forças do Bem contra o Mal, Darth Vader contra Luke Skywalker. Como se o conflito político fosse uma cruzada de um exército de indignados contra os corruptos e os desonestos.

O problema do capitalismo seria, então, de resolução fácil. Bastava livramo-nos das pessoas más e gananciosas e premiar os justos e os especialistas talentosos, como na mais pura utopia (neo)liberal da meritocracia. E a punição acabaria por reequilibrar o sistema e prevenir relapsos. Como se estivéssemos num regime político essencialmente bom, no qual algumas pessoas, individualmente consideradas, teriam sido contaminadas pelas forças do Mal.

Mas, a corrupção não é um problema pessoal, nem é de natureza acidental. É a própria forma em que tem funcionado a política representativa, quando a democracia se torna meramente formal.
As causas não são externas e o poder não está noutro sítio. A corrupção é produzida e reproduzida dentro das próprias regras existentes, mediante uma relação de forças (de classes, de género, de raça) profundamente desigual.
A dívida, a pobreza, a acumulação de poder e de dinheiro, estão aí. A dívida, por exemplo, já se fazia anunciar nos Tratados de Maastricht e de Lisboa, aparece no seu esplendor no Tratado Orçamental e é viabilizada pelo Orçamento de Estado. Tudo legal. Tudo democrático.

O problema da corrupção não se resolve com os votos de uma democracia esvaziada pela axiomática do capital, muito menos com votos de pureza porque a sua causa não reside num problema individual e a luta não é a de uma purificação moral.