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segunda-feira, 20 de maio de 2013

Uns mais iguais que outras

John Chillingworth, Children play with an old tyre 
 

Morrer devido à gravidez ou cumprir 50 anos de prisão por abortar

Uma mulher gravemente doente e grávida de 20 semanas de um feto anencefálico - sem parte do cérebro - corre risco de morte devido à proibição do aborto em El Salvador.

 19 mulheres cumprem pena de prisão por abortar
O drama de Beatriz, 22 anos, está a abalar o país e reabriu o debate sobre a despenalização do aborto em El Salvador, país da América Central que nos anos 90 eliminou da sua legislação a opção de aborto terapêutico.
A jovem é portadora de lupus eritematoso discoíde - doença crónica autoimune - e tem insuficiência renal grave, casos que desaconselham a gravidez. Além disso, o feto que traz no ventre tem hipótese quase nula de sobrevivência depois do parto. Os médicos que a acompanham asseguram que se não interromper a gravidez, Beatriz vai morrer. (Ler mais...)


Haverá algo de mais aterrador do que cidadãos emboscados e prisioneiros na própria lei do Estado? Quando um país retira a possibilidade do aborto em qualquer circunstância, inclusivamente a do aborto terapêutico, está a colocar alguém perante esta emboscada: ou “morres” ou “cumpres 50 anos de prisão”.
 
À primeira vista poder-se-ia pensar que estamos perante mais uma discussão sobre o aborto. Mas, não, esta é uma discussão sobre as condições (desiguais) de aplicação da lei.

Locke, um filósofo inglês e um dos principais teóricos do contrato social foi um importante defensor da teoria dos direitos naturais, direitos que ninguém pode legitimamente pôr em causa, incluindo o Estado. Entre eles encontra-se o direito à propriedade (que no caso de Locke é dado pelo trabalho), à liberdade e à vida. Estes direitos são naturais porque são universais, são comuns a todas as pessoas e independentes das convenções humanas, pois não dependem do sítio e da época em que as pessoas vivem e, além disso, são descobertos apenas pela razão, porque agir contra a lei natural seria agir contra a razão.

Se esta fosse uma discussão sobre o aborto, estaríamos então a analisar a quem conceder o direito natural à vida: à mãe ou ao feto?
 
Mas Locke defende ainda um outro aspeto muito importante. Ele acreditava que todos os seres humanos, pelo facto de serem pessoas, possuem estes direitos naturais, isto é, todos os seres humanos nascem iguais em direitos naturais.
 
A lei que proíbe o aborto terapêutico não garante a igualdade de direitos naturais aos cidadãos, pois expõe uma parte dos seus cidadãos – as mulheres – a situações que lhes vão retirar ou o direito natural à vida ou o direito natural à liberdade. Por circunstâncias que não escolheram (ser mulher), a apenas alguns cidadãos pode ser aplicado este “castigo”.

Esta é a razão pela qual esta discussão não é sobre o aborto mas sobre a igualdade dos cidadãos perante a lei.
 
Todos, ou quase todos, conhecemos o provérbio “Tão ladrão é o que rouba a horta como o que fica à porta”. Este provérbio refere-se às condições de responsabilidade dos agentes, respondendo à pergunta “quem deve ser responsável?”, concluindo que se a prática bem-sucedida de um ação envolve dois agentes, então deverão os dois ser responsabilizados.

Contrariando a intuição moral do provérbio, no caso da gravidez só um dos agentes é responsabilizado. Mas essa seria ainda outra discussão.

2 comentários:

  1. Há alguns anos atrás fui a favor do aborto, depois percebi que realmente existem mulheres a usarem o aborto como método contraceptivo, e ainda que são as que mais beneficiam da lei, porque as outras, essas, continuam a não o fazer, seja por falta de informação, vergonha ou até mesmo medo. Hoje trato este assunto com muito cuidado, mas é claro que estas minhas duvidas não se aplicam ao aborto terapêutico.

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    1. Esta não é uma discussão sobre o aborto. Se fosse, não poderia estar mais de acordo. Fiz exatamente o mesmo percurso na minha opinião sobre esta questão.

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