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sábado, 25 de maio de 2013

A Vénus da razão


Matemático resolve problema com três séculos

O peruano Harald Andrés Helfgott, desvenda um dos mais difíceis problemas numéricos da Historia, a conjetura dos números primos de Goldbach.
 

De que forma este matemático resolveu este problema?


Declaração de interesses: não sou da área da matemática.
 
A física estuda o mundo natural e a biologia os organismos vivos. A partir de um contacto com entidades do mundo físico formulam hipóteses que serão ou não confirmadas de acordo com procedimentos científicos próprios das ciências experimentais. Até aqui tudo bem.
 
E a matemática? O matemático, ao contrário do físico ou do biólogo não tem nada para observar, os seus objetos só existem como coisa mental. Na fotografia vemos Poincaré sentado a uma secretária e não num laboratório, manipulando substâncias. Não há laboratórios de matemática porque não há nada para ver, ouvir, cheirar ou tocar. A matemática não vive no mundo real exterior, está fora do tempo e das circunstâncias do universo. Tudo se passa algures na cabeça de um matemático, que lida com os objetos mais remotos e inumanos que a mente já concebeu. A mente alimenta-se da sua própria razão.
Por essa razão, a matemática é a única ciência que lida com a verdade. Passaram dois mil anos e o teorema de Pitágoras está perfeitamente intocável, como se tivesse sido descoberta no ano passado. A matemática avança por continuidade e acumulação e não por rutura ou substituição e os matemáticos ainda não chegaram à conclusão se o que fazem é inventar ou descobrir. Afinal, onde existirá tanta ordem?

A criação matemática seria o produto de qualquer coisa parecida com aquela que, segundo Cavaco Silva, também terá produzido a sétima avaliação da troika: uma inspiração de Nossa Senhora de Fátima.
 
Descendo à terra, e tratando-se de uma ciência dedutiva, dir-se-á que o pensamento matemático se constrói a partir do raciocínio lógico-dedutivo. Porém, segundo Poincaré o pensamento matemático vai muito além do raciocínio dedutivo. Nos seus aspetos mais criativos, e é desses que estou a falar, a matemática depende da intuição e da imaginação, às vezes até mais que da dedução.
A intuição é uma faculdade mental que permite obter o conhecimento de uma maneira direta, uma entrada imediata no entendimento de uma qualquer realidade, sem que tenha passado discursivamente por uma explicação ou demonstração. Uma agudeza que penetra até à essência: olha-se para um lugar onde só existem fragmentos e, subitamente, surge a perceção do todo, cada elemento ligado ao outro por uma estrutura subjacente e invisível, o formalismo matemático virá depois. Mas intuitivo não é sinónimo de fácil. A capacidade de descobrir relações insuspeitas entre coisas é bastante difícil até, existindo muitas verdades profundas e difíceis que foram apreendidas pela intuição.

 
A intuição de uma totalidade proporciona um prazer estético, a beleza de haver contemplado a verdade, por um momento, comparável ao prazer da música, da pintura ou da literatura. Os grandes matemáticos são estetas, também falam em beleza e lidam com objetos perfeitos e bonitos, pelo entusiasmo vibrante da criação matemática, onde a intuição e imaginação são instrumentos tão importantes como o são para o pintor, o escritor ou o músico.
Para a maioria das pessoas, a utilidade da matemática é óbvia: construir casas ou pontes, fazer projeções económicas, conceber algoritmos para programas de computadores. Mas boa parte dos matemáticos considera essas aplicações desinteressantes. "A verdadeira matemática dos verdadeiros matemáticos, a matemática de Fermat, Euler, Gauss ou Riemann, é quase toda ela inútil." Como se aos matemáticos, coubesse levar às últimas consequências as possibilidades da razão e, assim, aferir até onde ela é capaz de ir. Os usos vêm depois - quando vêm. (in “Artur tem um problema”)

 
Dito isto, poder-se-á pensar que o prazer da descoberta ou o sentimento estético só se aplicam aos grandes matemáticos, sendo verdade que nem todos podem aceder à contemplação estética da verdade porque a maior parte das pessoas que trabalha diariamente com a matemática não produz matemática. Professores e alunos, numa sala de aula, debruçam-se sobre a verdade que alguém fora daquela sala um dia descobriu.
Poder-se-á pensar assim, mas não é inteiramente verdade. A “descoberta” matemática não se refere apenas aos teoremas inéditos para todas as pessoas no mundo, mas àqueles que são inéditos para cada um de nós, pois a matemática também pode ser uma experiência pessoal em que cada um deve procurar o seu caminho para a descoberta.

Esse é o verdadeiro interesse da matemática numa sala de aulas, o de proporcionar aos alunos a seu própria experiência da descoberta. O mesmo vale para uma outra disciplina conceptual, a filosofia.
 







O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.
óóóó — óóóóóóóóó — óóóóóóóóóóóóóóó
(O vento lá fora).
  Álvaro de Campos, Fernando Pessoa

 
Interessante e a propósito: “Artur tem um problema”
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-40/vultos-das-ciencias/artur-tem-um-problema

 
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Kurt Gödel e Alan Turing, dois génios matemáticos com vidas destroçadas pela realidade. Habitavam outro mundo. Por vezes, a razão tem destas coisas.
 
                                      Alan Turing                                                               Kurt Gödel com Einstein em Princeton 

 

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