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terça-feira, 14 de maio de 2013

Razão e vontade

Ticiano, Amor Sagrado e Profano
Esta notícia:
"Sindicato defende que degradação dos salários deixa trabalhadores dos impostos expostos a corrupção - “O sindicato diz que "até agora" a máquina fiscal "foi sempre idónea e completamente isenta a pressões", mas o anúncio de mais um pacote de austeridade, na sexta-feira pelo primeiro-ministro, diminui essa capacidade de resistência dos trabalhadores.” (mais)

 
É parecida com esta:
"Três homens forçados a abandonar a Arábia Saudita por serem demasiado bonitos - Por serem considerados uma possível tentação para as mulheres sauditas, homens foram deportados para o seu país." (mais)
 
E as duas (e não apenas a segunda notícia) fazem-me lembrar aqueles países que obrigam as mulheres a usarem burka, não vá os homens sucumbirem aos desejos que sozinhos não conseguem dominar. Precisam de ajuda para conseguirem obedecer à lei, aliás, a lei é essa própria ajuda.
De acordo com Kant, a ação moral, pelo contrário, exige a autonomia do agente. Este deve obedecer à lei, não àquela que vem de fora (heteronomia), mas à lei que dá a si mesmo, no sentido não de criar leis, mas de obedecer às que existem como se fossem suas. A autonomia é condição para o agente tornar-se num sujeito moral. Mas tal não acontece imediatamente por um simples ato da vontade, mas pressupõe o progresso racional-moral do homem.
A moral kantiana exige um enorme esforço para qualquer ser finito e “pecador” como nós, pois na alma humana coexistem a razão e a vontade, e é muito difícil combinar aquilo que a razão manda com aquilo que a vontade quer. Mas se é inevitável reconhecer o enorme desafio da ética kantiana, tal não significa que se defenda que em vez de se “educar o homem”, deve-se “tapar a mulher”.
 
Até porque isto de mulheres tapadas é enganador. O quadro de Ticiano “Amor sagrado e amor profano” (cerca de 1515), retrata uma cena com duas mulheres e uma criança em redor de uma fonte de pedra. Como se pode ver, uma mulher está vestida e a outra está nua. Somos levados a pensar que a mulher vestida corresponde ao amor sagrado pelo pudor e ocultação/desvalorização do corpo, enquanto a mulher nua seria uma representação do amor profano pela ostentação e sensualidade da nudez. Mas é precisamente o contrário: o amor sagrado corresponde à mulher nua. Trata-se de um corpo imaculado e de uma nudez pura e inconsciente como a das crianças; o corpo que se veste, pelo contrário, é um corpo com mácula e vergonha e que, por isso, se apresenta escondido.
Esta é a verdade da nudez, sem o manto diáfano da fantasia.

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