Magritte
situa nos seus quadros objetos que nunca encontraríamos, que não têm relação
entre eles. Neste caso, temos a irrealidade do próprio caminho no meio de um
campo verde.
Há
dias fiz o exercício de procurar alguma coisa “estranha” no caminho que faço diariamente.
Não encontrei nada: não vi nenhuma girafa, nenhum piano, nenhum meteoro ou nenhum
coelho branco. Nada de extraordinário.
Mas
há 50 ou 100 anos a maior parte destas coisas normais seriam estranhas. No entanto,
hoje nada nos parece estranho. Sobre tudo que o que existe à nossa volta vai
atuando um processo de naturalização que, justamente, vai tornando tudo natural. É por isso que tendemos a pensar
simplesmente que tudo o que existe, sempre existiu.
Mas
não é assim. Houve uma altura em que não existiam coisas como a ponte Vasco da
Gama ou mesmo a ponte 25 de Abril (o que existia era a ponte Salazar), ou a
torre de Belém ou mesmo o castelo de S. Jorge. O mesmo se passa com as
instituições tal como as conhecemos. A Escola não existiu sempre; no nosso
caso, tem cerca de 200 anos e resultou de reformas pombalinas; mesmo coisas
como o Estado não existiram sempre, mas, tal como o conhecemos, o Estado é uma
instituição saída das revoluções liberais do século XVIII.
Tudo
nos parece natural, mas tudo foi construído, tudo que o que hoje existe não existia.
Logo, aquilo que existe a) poderia não existir ou b) poderia existir de outra
forma. A ponte 25 de Abril podia ser azul e o atual estado português podia
continuar a ser social.
Nada
é inevitável, por muito
que o repitam (como aqui). No universo humano, à exceção de esquemas biológicos/inatos
de ação, tudo resulta de uma escolha, com mais ou menos deliberação. Mas quando
consideramos tudo natural e evidente, logo inevitável,
deixamos de questionar. É aí que está o problema.
Voltando
ao desafio do caminho de Magritte: só quando vinha a chegar a casa é que me
lembrei que todos os dias passo por aqueles sem abrigos a dormir nas arcadas de
um prédio. Mas isso também não é estranho, é apenas desigualdade.
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