Falar para um candeeiro...

domingo, 12 de maio de 2013

O caminho de Magritte

             La jeunesse illustrée, René Magritte
Magritte situa nos seus quadros objetos que nunca encontraríamos, que não têm relação entre eles. Neste caso, temos a irrealidade do próprio caminho no meio de um campo verde.

Há dias fiz o exercício de procurar alguma coisa “estranha” no caminho que faço diariamente. Não encontrei nada: não vi nenhuma girafa, nenhum piano, nenhum meteoro ou nenhum coelho branco. Nada de extraordinário.  
Mas há 50 ou 100 anos a maior parte destas coisas normais seriam estranhas. No entanto, hoje nada nos parece estranho. Sobre tudo que o que existe à nossa volta vai atuando um processo de naturalização que, justamente, vai tornando tudo natural. É por isso que tendemos a pensar simplesmente que tudo o que existe, sempre existiu.
Mas não é assim. Houve uma altura em que não existiam coisas como a ponte Vasco da Gama ou mesmo a ponte 25 de Abril (o que existia era a ponte Salazar), ou a torre de Belém ou mesmo o castelo de S. Jorge. O mesmo se passa com as instituições tal como as conhecemos. A Escola não existiu sempre; no nosso caso, tem cerca de 200 anos e resultou de reformas pombalinas; mesmo coisas como o Estado não existiram sempre, mas, tal como o conhecemos, o Estado é uma instituição saída das revoluções liberais do século XVIII.
Tudo nos parece natural, mas tudo foi construído, tudo que o que hoje existe não existia. Logo, aquilo que existe a) poderia não existir ou b) poderia existir de outra forma. A ponte 25 de Abril podia ser azul e o atual estado português podia continuar a ser social.

Nada é inevitável, por muito que o repitam (como aqui). No universo humano, à exceção de esquemas biológicos/inatos de ação, tudo resulta de uma escolha, com mais ou menos deliberação. Mas quando consideramos tudo natural e evidente, logo inevitável, deixamos de questionar. É aí que está o problema.
Voltando ao desafio do caminho de Magritte: só quando vinha a chegar a casa é que me lembrei que todos os dias passo por aqueles sem abrigos a dormir nas arcadas de um prédio. Mas isso também não é estranho, é apenas desigualdade.

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