Elliott Erwitt
PONTE AÉREA
“O
comandante do avião mandou-me perguntar se podíamos partir. À nossa volta era o
deserto, algumas viaturas abandonadas, outras incendiadas e um único ruído, o
dos motores.
Pedi-lhe
para aguardarmos mais algum tempo. Minutos depois ouviu-se e viu-se um carro a
aproximar-se pelo meio da pista. Parou a escassos metros do avião. Açodada,
saiu uma senhora com cerca de 50 anos trazendo consigo uma mala e alguns
embrulhos.
Seguiu-a
um homem, um pouco mais velho, tisnado pelo sol africano, aspeto contrariado,
levando à trela um possante pastor alemão.
A
mulher foi a primeira a entrar a bordo do avião; o homem fora entretanto
intercetado por um membro da tripulação que o informara da impossibilidade de
embarcar o animal.
Recordo-me
da cara quase radiante com que chamou a mulher dizendo-lhe que iam ficar; do
cão é que não se separava. Quem não se conformou foi a esposa que do alto das
escadas ia mencionando nomes de familiares, amigos e conhecidos que já tinham
partido.
Subi
as escadas e coloquei a questão ao comandante; ele também compreendeu o
significado profundo daquele momento e a angústia de quem partia sem o desejar.
Havia que se encontrar uma solução. E ganhou a mulher. O cão entrou mesmo na
cabina, tendo-se improvisado uma rede de proteção entre dois assentos, atrás da
qual se acomodou sem causar quaisquer problemas durante a viagem.”
General
Gonçalves Ribeiro, A vertigem da
descolonização: da agonia do êxodo à cidadania plena, Editorial Inquérito,
Mem Martins, 2002, p.374
“Metemo-nos
no carro e o tio Zé arrancou (em direção ao aeroporto). A Pirata correu,
correu, correu atrás do carro como se fôssemos parar um pouco mais à frente,
para a deixarmos entrar. Às vezes fazíamos essa brincadeira, de certeza que a
Pirata pensava que estávamos a brincar com ela porque não parava de correr.
Correu o mais que pôde mas o tio Zé conduzia tão depressa. A Pirata foi ficando
para trás, cada vez mais para trás, até ser um ponto branco na avenida, um
ponto branco pequenino, pequenino, pequenino.”
O Retorno, Dulce Naria Cardoso (2012) Tinta-da-China, Lisboa, pp. 80-1
Uma lembrança a todos os fiéis amigos que ficaram.
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