Falar para um candeeiro...

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Contra factos, há argumentos

Alberto Rosati, A vendedora de laranjas


Observatório dos Mercados Agrícolas «considera que o lucro dos supermercados e hipermercados supera os 50% na venda de alguns produtos alimentares». Conclui daí, que na promoção dos 50% de desconto do Pingo Doce, o dito «ainda fica a ganhar dinheiro».

 



Esta discussão, que surgiu a partir da frase apresentada em cima, pode ver-se em vários blogs (Insurgente, Blasfémias e Aventar) e inclui diversos posts de diferentes autores e comentadores, aqui reunidos e editados num único texto.
À primeira vista parece uma discussão sobre o preço das alfaces, mas não é. É muito mais do que isso, é o debate entre o liberalismo e a esquerda, cujas posições aqui foram identificadas como se se tratasse de um (único) diálogo.


Esta é como todas as discussões deviam ser: defender diferentes perspetivas, apresentar vários pontos de vista, fundamentar a posição defendida  e, last but not least, civismo na argumentação.

Nada como uma boa discussão.

Os argumentadores:
 
LIBERAL: "O quilo de alface, que custou 0,4 euros no produtor, leva em cima com os custos de transporte, refrigeração, armazenamento, mais os salários das pessoas envolvidas, mais os custos do supermercado, rendas ou amortizações, salários dos funcionários, bem como provisões para as várias alfaces que vão se estragar e ter de ser deitadas fora, mais a quota-parte dos salários dos empregados nos serviços centrais, mais a publicidade na TV, os folhetos e sabe-se lá que mais custos. Depois de todos estes custos é que o quilo de alface custa 1,8 euros.

ESQUERDA: Considera-se perfeitamente normal um quilo de alface que custa ao consumidor 1,8€ ter sido comprado por 0,4€. São os custos de: transporte, refrigeração, armazenamento, mais os salários (…) os folhetos e sabe-se lá que mais
A alface não foi semeada, regada, adubada nem colhida e a terra (provavelmente a estufa) também não deve ter tido os seus custos a precisarem de amortização. O agricultor não correu o risco, durante semanas, de uma geada lhe destruir todas as alfaces. O agricultor trabalha generosa e graciosamente para a malta comer alfaces.
A lógica das cadeias de distribuição (que substituíram os velhos intermediários precisamente porque têm uma estrutura que lhes permite baixar os custos, e que têm feito mais pela destruição da agricultura portuguesa que a própria CE) não é nada idiota, nem é uma batata, é uma alface.

LIBERAL: Se é tão barato na origem, porque não vai você mesmo e compra do agricultor e recomenda que todos façam o mesmo? Se ter intermediário (que lucram!! vejam o quão maquiavélicos, eles trabalham para ganhar dinheiro) é algo tão malvado e errado, compremos todos os produtos da origem. Ou melhor ainda, produz tu mesmo alface suficiente para alimentar a sua cidade e depois doa a preço de custo para os pobres portugueses, mas lembre-se, não pode usar intermediário ou ser um “porco capitalista explorador do homem”, tens de ir TU sozinho de casa em casa e dar a alface a preço de custo.

LIBERAL: Onde estão as organizações dos agricultores que fazem pelos seus associados, mas não me digam que não há esse tipo de organizações, ou são só mais uns quantos a comerem à custa de quem trabalha e a fazerem aquilo que os governantes lhes mandam, estar calados. Este país criou nos últimos anos uma cambada de associações e sindicatos e centrais e confederações que não serviram para nada só para andarem ao serviço de quem governa e a receberem chorudos subsídios que não se sabe para o que foram (eles sabem) mas que os tornaram inoperantes e os calaram

LIBERAL: Os portugueses ficaram surpreendidos quando descobriram que numa economia moderna o valor acrescentado da distribuição é muitas vezes superior ao da produção. Mas é fácil perceber porquê: produzir uma alface é mais fácil do que colocar uma alface onde eu a quero comprar, com o aspeto que eu quero, no dia e na hora a que eu quero e a um preço que eu esteja disposto a pagar.

ESQUERDA: Mas assim fica uma pergunta no ar: se é assim, então ainda vale a pena produzir alfaces?

LIBERAL: Vale mas não é para todos. É para aqueles que vendam as alfaces baratas a quem as distribui, ou para aqueles que facilitam o trabalho à distribuição incorporando valor antes de vender ao distribuidor ou entram eles próprios no negócio da distribuição.

ESQUERDA: O melhor é as alfaces serem dadas de borla aos distribuidores, ou então ao preço da “uva mijona”, deixando-os na miséria. Por outras palavras, de facto não vale a pena.

ESQUERDA: Os produtores dos perecíveis agrícolas estão sempre sujeitos à chantagem dos intermediários. Este é o grande problema dos produtores agrícolas. As alfaces têm que ser colhidas naqueles dois ou três dias. Sob pena de se perderem. E os grandes distribuidores aproveitam-se de forma escandalosa.

Por outro lado, nem todos os produtos agrícolas perecíveis têm o mesmo ciclo produtivo. Se com alfaces eu posso adaptar-me ao mercado e mudar a próxima safra para tomate (enfim, a maquinaria não é a mesma, sempre envolveria um investimento extra) no caso de frutas eu não posso arrancar o pomar de peras este ano para na próxima safra ter no mesmo local um pomar de laranjas. O mercado nestas matérias tem que assumir naturais limitações. Que não são de ordem ideológica, mas exigidas pela realidade concreta, palpável e real.
O mercado, a lei da oferta e da procura e o liberalismo económico, quando chegam aos produtos da terra não é exatamente tecer cuecas de algodão em tear eletrónico. Não podem ser tratados de igual modo. Se uma grande superfície me oferece 18 cent por kilo de pera rocha para a vender ao público a € 1,49 há alguma coisa que está tremendamente mal. E não me venha dizer que é mais fácil transportar as peras numa camioneta comprada em leasing do que criá-las à chuva, ao sol, ao frio, à geada, à seca, aos pedrados, aos míldios, etc.
 
LIBERAL: Numa economia de mercado quando alguém acha que um negócio não dá dinheiro não entra nele ou muda de ramo. Ou então inova.

ESQUERDA: Neste caso que conceito de inovação é esse o seu? Uma alface é uma alface!
 
LIBERAL: No caso da alface há muitas formas de inovar: alface que dure mais tempo sem apodrecer; alface pré-embalada; sistema de processamento da alface que minimize perdas; colocação da alface em pontos de venda alternativos; novos produtos com base na alface e formas alternativas de preparar a alface; métodos de controlo de qualidade para a alface mais baratos e que possam ser utilizados por mais pessoas e em mais sítios. Dito de outra forma, uma alface não é apenas uma alface. É uma oportunidade para vender serviços.

ESQUERDA: Segundo se entende não há nada a fazer quanto à concentração do circuito de distribuição /comercialização – direta ou indiretamente – nas grandes superfícies.
A ‘batata quente’ foi colocada no lado da produção. Segundo se depreende, a produção terá que investir, inovar, desenvolver-se (modernizar-se), modificar a realidade fundiária, etc., de modo a ‘assegurar’ ad eternum o rendimento das grandes superfícies.

LIBERAL: “Se uma grande superfície me oferece 18 cent. por kilo de pera rocha para a vender ao público a € 1,49 há alguma coisa que está tremendamente mal”. Se alguma coisa está mal pode fazer duas coisas: 1. vender diretamente a pera rocha a 1,49€. Vai ver então que não é fácil, e entenderá o porquê do custo da distribuição; 2. vender a pera rocha para o mercado distribuidor espanhol. Estamos mais perto de Badajoz que Badajoz está de Madrid. Estamos mais perto de Madrid que muitas cidades de Espanha. Vai ver então que não é fácil e entenderá o porque do custo da distribuição.

ESQUERDA: Não, não é mais fácil produzir uma alface, tem, para além doutros fatores (exigência em mão-de-obra, e níveis de esforço físico da mesma, por ex.), um nível de risco que tornam a dificuldade incomparável com qualquer outra atividade. Depois, quem “coloca uma alface onde eu a quero comprar, com o aspeto que eu quero, no dia e na hora a que eu quero e a um preço que eu esteja disposto a pagar” é a produção, as cadeias de distribuição apenas fornecem o espaço e o funcionamento do mesmo, cobrando, além da margem elevada, “espaço de prateleira” ou pelo menos “joia de entrada” aos produtores… Depois, toda a inovação de que fala já existe, uma alface hoje é controlada, certificada, calibrada, lavada e embalada, e entregue no dia (e hora!) certo, mas estas e todas as valorizações que refere são feitas pela produção, nunca pelas grandes superfícies. Acima de tudo, o erro está no fundamento do que escreve: as margens das grandes superfícies não se devem a eficiência ou ao funcionamento do mercado, mas sim por uma anulação da concorrência do lado das compras, que constitui exemplo flagrante de cartelização e abuso de posição dominante… Tudo coisas contra a lógica liberal e o livre funcionamento dos mercados que parece defender sempre, exceto no caso da agricultura…

LIBERAL: Se a produção faz isso tudo, são tolinhos em não controlarem também a distribuição. Se há cartel na distribuição, então será fácil furar esse cartel para produtores que já controlam grande parte do negócio.

ESQUERDA: A única coisa que os impede, é o facto de os consumidores pretenderem fazer as suas compras todas num único local… De resto, tem toda a razão!

LIBERAL: A única coisa que os impede, é o facto de os consumidores pretenderem fazer as suas compras todas num único local…”.
O que só prova a sua racionalidade. Mas também ninguém impede os produtores de alface de abrirem hipermercados. E arrasariam então a concorrência com descontos de 70 ou 80%…
 
ESQUERDA: Os distribuidores portugueses pertencem a grupos económicos atuantes em diversas áreas e associados aos bancos do estado e do regime, só por pura brincadeira pode-se propor livre concorrência ou formação de uma cadeia de distribuidores independentes. Aonde esses tolinhos iriam achar recursos? Qual o banco português emprestaria dinheiro a essa aventura? Os grandes grupos fizeram empréstimos sem garantia alguma ao longo de anos, mas o pequeno tem sempre que apresentar capacidade de pagamento muito superior às exigidas aos amigos do regime.

ESQUERDA: é preciso não perceber nada de distribuição produção comercialização para só dizer lugares comuns dos livros e palavras sem conteúdo mas bonitas. E não estou a falar de alfaces mas sim da oligarquia que reina na comercialização de produtos alimentares aqui no burgo. Os seus amigos convidam os portugas a plantarem a empreender mas como? Se por exemplo as maças da china dão mais margem aos 2 donos da comercialização em Portugal."

 

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