Falar para um candeeiro...

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O Grande Irmão Credor

Gerard Casttelo Lopes
(...)
A maioria dos portugueses viveu exatamente na realidade que lhe puseram à frente. A dívida que esses portugueses contraíram foi, maioritariamente, para a habitação: “A componente mais importante da dívida dos particulares é aquela que se reporta à aquisição de habitação. No ano de 2011, segundo o Eurostat, a taxa de propriedade imobiliária, isto é, a percentagem das famílias com habitação própria em Portugal era superior a 75 %. Para adquirir habitação própria, as famílias endividaram--se muito junto da banca. Em dezembro de 2012, o crédito imobiliário às famílias representava um montante equivalente a 71,7 % do PIB.” (“Conhecer a dívida para sair da armadilhas”; Relatório preliminar do Grupo Técnico da IAC, p. 95)


A realidade era esta:
  • Os sucessivos governos manifestaram o maior desinteresse na provisão pública de habitação, que se limitava apenas apenas à construção de habitações em bairros sociais;
  • O mercado de aluguer da habitação não existia;
  • O planeamento urbano foi quase inexistente: 5,7 milhões de imóveis edificados para 3,7 milhões de famílias;
  • Os governos promoveram ativamente o incentivo à compra a crédito de habitações novas, através de Incentivos fiscais. O governo oferecia  bonificações de taxas de juro e deduções fiscais nas contas de poupança habitação. A mensagem era simples: endividem-se para comprar casa. Nós até oferecemos nos impostos.
Puseram-nos as casas à frente num excelente negócio para a especulação imobiliária e para os bancos, de que agora só os devedores são responsáveis.

  • Como se a abundante concessão de crédito, graças ao financiamento externo abundante e barato, estivesse a ser devidamente regulada atentamente pelo Banco de Portugal (viu-se a atenção do Banco de Portugal no caso BPN);
  • Como se os credores não incentivassem irresponsavelmente o consumo/crédito;
  • Como se o próprio Estado não favorecesse o endividamento através de incentivos fiscais.

Onde fica esta responsabilidade?

O verdadeiro lastro do sistema financeiro sobre o dinheiro não é o ouro, o papel-moeda, o banco central, o PIB atual ou outra medida de riqueza existente, mas a confiança. A confiança em garantir o pagamento das dívidas e manter o ritmo equilibrado entre fluxos de crédito e débito.
A dívida está lastreada na capacidade de uma expectativa ser garantida (pelo sistema judiciário, pela polícia, pelo FMI, mas, sobretudo, pela construção de uma moral, que culpabilize o devedor e o obrigue a pagar, senão por forças das instituições, pela obrigação moral  imposta pela culpa.
Todo o jogo da dívida assenta não em operações financeiras, mas no poder de vincular e controlar o futuro.

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