Gerard Casttelo Lopes
(...)
A
maioria dos portugueses viveu exatamente na realidade que lhe puseram à frente.
A dívida que esses portugueses contraíram foi, maioritariamente, para a
habitação: “A componente mais importante da dívida dos particulares é aquela que
se reporta à aquisição de habitação. No ano de 2011, segundo o Eurostat, a taxa
de propriedade imobiliária, isto é, a percentagem das famílias com habitação própria
em Portugal era superior a 75 %. Para adquirir habitação própria, as famílias endividaram--‐se muito junto da
banca. Em dezembro de 2012, o crédito imobiliário às famílias representava um montante
equivalente a 71,7 % do PIB.” (“Conhecer a dívida para sair da armadilhas”; Relatório
preliminar do Grupo Técnico da IAC, p. 95)
A realidade era esta:
- Os sucessivos governos manifestaram o maior desinteresse na provisão pública de habitação, que se limitava apenas apenas à construção de habitações em bairros sociais;
- O mercado de aluguer da habitação não existia;
- O planeamento urbano foi quase inexistente: 5,7 milhões de imóveis edificados para 3,7 milhões de famílias;
- Os governos promoveram ativamente o incentivo à compra a crédito de habitações novas, através de Incentivos fiscais. O governo oferecia bonificações de taxas de juro e deduções fiscais nas contas de poupança habitação. A mensagem era simples: endividem-se para comprar casa. Nós até oferecemos nos impostos.
Puseram-nos as casas à frente num excelente negócio
para a especulação imobiliária e para os bancos, de que agora só os devedores
são responsáveis.
- Como se a abundante concessão de crédito, graças ao financiamento externo abundante e barato, estivesse a ser devidamente regulada atentamente pelo Banco de Portugal (viu-se a atenção do Banco de Portugal no caso BPN);
- Como se os credores não incentivassem irresponsavelmente o consumo/crédito;
-
Onde fica esta responsabilidade?
O verdadeiro lastro do sistema financeiro sobre o dinheiro não é o ouro, o papel-moeda, o banco central, o PIB atual ou outra medida de riqueza existente, mas a confiança. A confiança em garantir o pagamento das dívidas e manter o ritmo equilibrado entre fluxos de crédito e débito.
A dívida está lastreada na capacidade de uma expectativa ser garantida (pelo
sistema judiciário, pela polícia, pelo FMI, mas, sobretudo, pela construção de
uma moral, que culpabilize o devedor e o obrigue a pagar, senão por forças das
instituições, pela obrigação moral imposta
pela culpa.
Todo o jogo da dívida assenta não em operações financeiras, mas no poder de
vincular e controlar o futuro.
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