Falar para um candeeiro...

quarta-feira, 26 de junho de 2013

E se, de repente, um técnico lhe ensinasse a andar de bicicleta?

Na fotografia o escritor William Faulkner ("não apanhes tanto sol, não fumes e senta-te direito")


A nossa vida quotidiana está cada vez mais “cognitivizada”, regulada por peritos que nos dizem a todos como devemos viver, num permanente “estado da arte” científico. Os saberes, por natureza, práticos, vivenciais e contextualizados, transformam-se em conhecimentos, algo que em si é abstrato, formal e desterritorializado. Uma lógica do rigor, da medida, do especialista, que desapropria o indivíduo da sua relação pessoal e social com o conhecimento.
 
 
Ensinei a minha filha a andar de bicicleta. Foi no jardim do Campo Grande, e essa vivência fará da sua memória de criança e da minha própria memória… um “foi aqui que aprendi a andar de bicicleta…” e um “foi aqui que te ensinei a andar de bicicleta...”
 
Em alternativa à construção desta memória relacional, dispomos hoje de novas possibilidades: preencher uma ficha de inscrição (em anexo) - dados pessoais, equipamentos a utilizar, pagamento, NIB, faturas, autorização expressa de encarregados de educação… e assim um dia poder dizer “foi aqui que um técnico da Divisão de Sensibilização e Educação Sanitária e Ambiental me ensinou a andar de bicicleta”.
O velhinho “aprender a andar de bicicleta” com as rodinhas extra ou com muitos tombos entra assim também no circuito da mercadorização. É mercadoria, compra-se e vende-se.

Naturalmente que não estou a questionar esta iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, a qual, admito sinceramente que terá os seus méritos, muito menos questiono as “competências parentais” (outra expressão criada por mais um especialista). Estou apenas a questionar toda esta racionalidade técnica do mundo em que vivemos.
 
Acho que fiquei assim desde que a ASAE, o Grande Irmão Técnico, se lembrou de proibir os galheteiros. Embora, confesso, que era sempre uma emoção trazerem-me um galheteiro às escondidas para eu poder temperar com azeite as batatas cozidas que acompanhavam as sardinhas, num pequeno restaurante da minha rua.
 
 

6 comentários:

  1. Eu aprendi a andar e bicicleta na terra dos meus pais, com a técnica "vou ao chão e levanto-me a seguir e tento outra vez", isto com a ajuda do meu irmão.
    Tantas coisas que à uns anos atras eram aprendidas e descobertas na rua, são agora supervisionadas por um qualquer "técnico".
    Evolução dos tempos ;).

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    1. O mundo que nos ensinou a andar de bicicleta reside agora na nossa memória...

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  2. Ai o saudoso Campo Grande...
    Mas já agora será que depois da intruçao, o respeitoso técnico da Divisão de Sensibilização e Educação Sanitária e Ambiental vai passar ao seu instruendo um Certificado de Aptidão para Ciclista???
    E só poderão circular nas várias ciclovias espalhadas pela Mui Nobre e Sempre Leal Cidade de Lisboa quem tiver o tal Certificado de Aptidão sob pena de algum "tecnico" da Emel autuar um ciclista menos atento por este não estar legalmente habilitado a condução de um velocípede???

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    1. Os ciclistas, devidamente encartados com o seu CAP, ficam mesmo a jeito do técnico da EMEL. Pois...

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  3. http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1520057&seccao=Centro
    Ah, pois é...

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