Gérard Castello Lopes
O homem, de pequena estatura, que ia caminhando à minha frente, usava um casaco de inverno, grande, velho e castanho, mais ou menos da cor da pequena cadela.
Enquanto ele seguia à minha frente, lembrei-me de Pessoa e daquele homem em que ele próprio reparou há
muitos anos atrás enquanto descia uma rua de Lisboa:
“Descendo
hoje a Rua Nova do Almada, reparei de repente nas costas do homem que a descia
adiante de mim. Eram as costas vulgares de um homem qualquer, o casaco de um
fato modesto num dorso de transeunte ocasional. Levava uma pasta velha debaixo
do braço esquerdo, e punha no chão, no ritmo de andando, um guarda-chuva
enrolado, que trazia pela curva na mão direita.
Senti
de repente uma coisa parecida com ternura por esse homem. Senti nele a ternura
que se sente pela comum vulgaridade humana, pelo banal quotidiano do chefe de
família que vai para o trabalho, (...) pela naturalidade animal daquelas costas vestidas.”
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego
É a luz da vida como ela é, sem o brilho intenso das
grandes narrativas e, por isso mesmo, mais difícil de compor. Uma pequena luz que
se esconde nos gestos e recantos do quotidiano, nas frases simples e nos pequenos
silêncios que emergem, não para serem mostrados num palco, mas simplesmente para irem surgindo à nossa frente, de uma forma breve
e serena, com a mesma naturalidade com que a seguir se desvanecem.
A vida, como ela é.
Mais uma vez "material" de grande qualidade e sensibilidade. Continua assim! Para o próximo ano letivo bem me vai servir. Bjinho
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