John William Waterhouse, Hipnos e Tanatos
Segundo
a mitologia grega, Hipnos é a personificação do sono, da sonolência, filho de um único progenitor, de Nix (a noite, a escuridão) ou de Érebo (as trevas primordiais,
a escuridão profunda no momento da criação). De entre os seus irmãos, o mais
importante é o seu irmão gémeo Tanatos, a personificação da morte.
Hipnos,
a sonolência representa um estado reduzido de consciência com a suspensão temporária da
atividade percetivo-sensorial, que é muitas vezes característica de uma cidadania ausente
e sem esperança, distanciada dos fóruns políticos e das reivindicações sociais.
No
Brasil, em poucos e agitados dias, o gigante acordou. De repente, uma nova
perceção tomou conta da população diante dos protestos pela redução das tarifas
dos transportes públicos.
Mas há dois aspetos muito interessantes no acordar do gigante: é que ele “acorde” num ambiente governativo bem mais progressista do que outras administrações anteriores e, sobretudo, que ele acorde por “vinte centavos” de aumento nas tarifas de transportes.
Por falar em hipnos(e), “Mal-estar
na civilização” é o título de uma das obras de Freud que dificilmente poderia definir
melhor aquilo que os cidadãos sentem face à sociedade em que vivem: a falência
da representatividade do poder legislativo, a imensa distância do poder
executivo face aos cidadãos e o total descrédito do poder judicial. O motivo que
acorda o gigante é este, não são vinte centavos.
Mas no
acordar do gigante existem ainda outras questões que merecem ser pensadas, como
a surpresa dos que sempre imaginaram uma mobilização partidária para qualquer
crise social ou política. A espontaneidade da multidão nunca foi levada na
devida conta, deveria haver sempre um motivo para a mobilização da multidão. E
o motivo teria de ser forte - não, certamente, os vinte centavos.
Não se pode cair falácia
de um país "sem partidos”, mas os partidos serão obrigados a refletir
sobre a sua atuação numa cidadania mais exigente.
É muito simbólico que o irmão de Hipnos, a sonolência, seja Tanatos, a morte.
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