Falar para um candeeiro...

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Só aprendemos o que já somos

Gérard Castello Lopes


As pessoas, umas em relação às outras, habitam em mundos diferentes ou, na melhor das hipóteses, falam línguas diferentes (o que acaba por criar os diferentes mundos). Quantas pessoas falam a mesma língua que eu e, no entanto, não são capazes de me entender, nem eu sou capaz de as alcançar?
  
Nunca serei capaz de entender por que razão algumas pessoas se vestem da forma mais pirosa que conseguem e sentem-se bonitas com uma roupa com a qual eu não conseguiria sair à rua, ou enchem a casa de móveis e biblôs que nem que me jurassem que seriam do mais vintage eu conseguiria tê-los cá em casa ou que conseguem achar imensa piada às anedotas mais grosseiras, pelas quais sinto uma vergonha enorme por aquela pessoa que as diz. Estas pessoas falam a mesma língua que eu, mas o seu mundo interior é-me completamente inacessível.
Como posso eu entender o que se passa dentro das suas cabeças? E como poderia explicar a certas pessoas que aquilo que vestem, por exemplo, é esteticamente deplorável? Com que argumentos se explica o mau gosto?
 
A mesma questão se aplica à discussão de assuntos com uma forte dimensão subjetiva, como a política, as questões ideológicas ou os problemas morais. Como discutir isto?
Os sujeitos não são neutros, pelo contrário, têm fortes disposições mentais prévias, frequentemente irredutíveis aos melhores argumentos ou aos raciocínios mais límpidos.
 
Há tempos, enquanto almoçava num restaurante, não pude deixar de ouvir a conversa entre dois homens angolanos que almoçavam na mesa ao lado. Dizia um deles que “o Eduardo dos Santos está convencido que Angola é dele”. Claro que o outro contrapunha que “não senhor, Angola não é dele”. Mas, o primeiro insistia: “claro que não é dele, mas ele pensa que sim. É a convicção. Tu davas uma coisa que não é tua? Ela também não dá uma coisa que é dele. Não interessa se Angola é dele, o que manda é a convicção.”
 
É isto mesmo: o que manda é a convicção. O facto de partilharmos a mesma língua cria a ilusão de que partilhamos as mesmas convicções. Fala-se mas não se compreende. Nós não queremos o que alguém nos explica, nós explicamos aquilo que queremos. Somos o que explicamos.
 
É assim que, já há alguns anos, entendo esta frase de Vergílio Ferreira, à qual volto sempre:
  
Mas eu não te ensinei nada! Ninguém nos ensina nada, talvez, minha amiga. Só se consegue aprender o que nos não interessa. Porque o mais, o que é do nosso fundo destino, somo-lo: se alguém no-lo ensinou não demos conta disso. Ensinar então é só confirmar.

Vergílio Ferreira, Aparição


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