Como se combatia a baixa escolaridade há
muito tempo atrás…
Há
uns anos atrás (não é indicado o ano, mas terá sido por volta de 1932, uma vez
que o documento faz referência a dados estatístico desse ano), o então ministro
da Instrução Pública, o Sr. Dr. Eusébio Tamagnini, deu uma entrevista a um
jornal no âmbito de uma “campanha patriótica” contra o analfabetismo, que,
segundo o ministro, “estaria extinto em 10 anos no caso das crianças em idade escolar”.
“No caso dos adultos estudar-se-á a forma de, pelo menos, o atenuar ou reduzir”
(ainda devemos andar a estudar o problema, uma vez que ainda “há quase um milhão de portugueses analfabetos”, segundo esta notícia do Expresso).
Para
saber que verbas afetar a esta campanha (para a “construção de escolas,
vencimento de professores e outras despesas”), o ministro precisava,
naturalmente de saber, quantos alunos existiam. Ou melhor que tipo de alunos existiam. Considera o
ministro que, de acordo um “pedagogo americano, Terman, está provado que os
alunos não são todos iguais. A população escolar pode e deve dividir-se em
cinco grupos, a saber:
1º -
Ineducáveis …………….…..…. 8%
2º -
Normais estúpidos ………….... 15%
3º -
Inteligência média ………......... 60%
4º -
Inteligência superior …….…….. 15%
5º -
Notáveis ……………………. .... 2%”
Ora,
afirma ainda o Ministro, que o problema podia ser bastante simplificado, pois de
acordo com “as necessidades e exigências da população escolar”, “23% de alunos
(8% de ineducáveis e 15% de normais estúpidos) não carecem de ensino
complementar” (mas apenas de “ensino elementar”), nem carecem de “professores
diplomados ou de carreira, bastam os postos de ensino”.
Quanto
à construção desses postos de ensino, acrescenta o Ministro que
“simplificaremos também o problema reduzindo ao mínimo o seu custo. Não são
necessários grandes edifícios. Bastarão casas de madeira – como na América – e
para a edificação dos quais é de esperar contribuam também, em comparticipação
com o Estado, as próprias povoações interessadas.”
(Ver entrevista no fim. Para aumentar, clicar no canto inferior direito)
(Ver entrevista no fim. Para aumentar, clicar no canto inferior direito)
Como se combate hoje a baixa
escolaridade hoje no Memorando
Sem
dúvida, uma entrevista extraordinária, “notável” para utilizar as palavras do
Dr. Tamagnini. Hoje, a esta distância, as palavras, absolutamente claras, ditas
por aquele ministro constituem afirmações do mais politicamente incorreto que
podemos imaginar. Alguma vez um ministro da educação poderia hoje dizer que há
indivíduos “ineducáveis”? Ou classificar alunos como “normais estúpidos”?
Alguma vez poderia dizer que “os alunos não são todos iguais”? E que uns terão
boas escolas, em bons edifícios e com bons professores e outros estudarão em
postos de ensino edificados em casas de madeira?
Não.
Hoje, para combater a baixa escolaridade, dir-se-ia assim:
“ O Governo
irá prosseguir a sua acção no sentido de combater a baixa escolaridade e o
abandono escolar precoce e de melhorar a qualidade do ensino secundário e do
ensino e formação profissional, tendo em vista o aumento da eficiência no
sector educativo, o aumento da qualidade do capital humano e a facilitação da
adaptação ao mercado de trabalho. Para este fim, o Governo irá:
a)
criar um sistema de análise, monitorização, avaliação
e apresentação de resultados de modo a avaliar com rigor os resultados e os
impactos das políticas de educação e de formação, nomeadamente os planos já implementados
(por exemplo, relativos a medidas de redução de custos, ensino e formação profissional e políticas para melhorar os
resultados escolares e limitar o abandono escolar precoce). [T4‐2011]
b) apresentar um
plano de acção para melhorar a qualidade dos serviços do ensino secundário,
nomeadamente através da generalização dos acordos de confiança entre o Estado e
as escolas públicas, definindo autonomia alargada e um enquadramento de financiamento
baseado numa fórmula que inclua critérios de evolução do desempenho e de
responsabilização (…). [T1‐2012]” (Memorando do Entendimento, p. 24).
Este
texto reúne todos os requisitos do discurso político atual: é politicamente
correto, com recurso a linguagem técnica e absolutamente confuso para ninguém
entender.
No texto, na alínea a) á apenas graças ao parêntesis, que conseguimos ficar a saber que o tal “sistema de análise, monitorização, avaliação e apresentação de resultados de modo a avaliar com rigor os resultados e os impactos das políticas de educação e de formação” é para analisar “medidas de redução de custos”.
Na alínea b), não compreendo bem de que “autonomia alargada”, depois de ter lido esta notícia, entre muitas outras. Já o “financiamento baseado numa fórmula que inclua critérios de evolução do desempenho e de responsabilização”, parece claro. Um bom “desempenho” nas escolas traduz-se me bons resultados escolares. Logo, bons resultados = mais financiamento; maus resultados = menos financiamento.
Eis a “dualização” da escola pública que mantém e acentua as desigualdades*: gastar mais
dinheiro com uns e menos com outros.
Mais ou menos como que dizia aquele Ministro da Instrução.
Mais ou menos como que dizia aquele Ministro da Instrução.
*Em economês também não se diz "desigualdade", diz-se "impacto assimétrico da crise". E já agora, "crise", diz-se "desacelaração severa". E nem pense em dizer "recessão", diga "crescimento económico negativo".
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