José Malhoa
Houve um tempo em que os mercados eram assim...
Depois dos tratados europeus terem oferecido o gigantesco
negócio das dívidas soberanas aos mercados financeiros, os bancos dirigem-se a esses
mesmo Estados “soberanos” como se falassem para (e de) empresas falidas. Na notícia do DN ficamos a saber que o “banco analisa”, o “banco compara”, o “banco
entende que”, o “banco adverte”… O banco
produz o regime da verdade, agenciado por forças económicas e políticas que o
administram e ampliam e cujos ecos ouvimos todos os dias no governo e no
presidente dessa “empresa falida”, com reminiscências, cada vez mais remotas de
um país, de um lugar onde, por acaso, vivemos as nossas vidas.
O “Grande
credor” (Maurizio Lazzarato) falou: Portugal vai precisar de “um apoio oficial
extra, na forma de uma linha de crédito cautelar ou na forma de um segundo
resgate, em vez de uma reestruturação da dívida”. Com certeza que aquilo que
uma “empresa falida” mais precisa é de ainda mais crédito / mais dívida. Quem é
que se lembraria de pensar no absurdo de uma reestruturação da dívida?
O “Grande
credor” repreende: “parece que a crise política recuou, mas o mercado ainda
está a avaliar se a situação na coligação governamental mudou efetivamente
depois da crise política recente", adverte o Morgan Stanley”. Depois
de mais dívida, o que uma “empresa falida” precisa é de mais consenso e menos
“crise política, precisa de pensamento único para garantir o pagamento. O “Grande
credor” sabe que uma dívida não consiste apenas em dinheiro que deve
ser pago, mas em pensamentos e comportamentos que devem ser ajustados para que
a dívida seja paga, para sinalizar politicamente aos credores o “bom
comportamento”.
Tudo o que definimos como “economia” é simplesmente impossível sem a produção e o controlo da subjetividade. Não basta ter uma dívida, é necessário ser implicado por ela, ser capturado pela sua ação como um devedor, seja a “coligação governamental”, o maior partido da oposição, ou mesmo o menor, os que trabalham, os desempregados ou os aposentados. Todos devem.
A consciência endividada produz-se (e reproduz-se) segundo uma lógica de intensidades, que pode até formar modos hegemónicos de ser, “linhas duras”, normalizantes, sem qualquer ponto de fuga. Senão como compreender que "alguns cidadãos auto-intitulados “Obrigado, Troika” tenham organizado uma manifestação para agradecer a ajuda dos credores internacionais". Ironicamente, a manifestação está marcada para hoje na Praça dos Restauradores. Restaurar a soberania… o que será isso para um movimento do tipo “Obrigadinho, Troika, bates forte cá dentro”?
Volto sempre à mesma pergunta de Espinosa, via Deleuze: “Por
que razão os homens perseguem a escravidão como se procurassem a liberdade?”
Sem linhas de fuga por onde se liberta
o desejo, ficamos fechados por dentro. A
finança constrói a relação credor-devedor”, uma relação que não se limita a influenciar
diretamente as outras relações sociais, pois ela mesma é uma relação de poder,
uma das mais importantes e universais do capitalismo atual, o ”motor subjetivo
da economia contemporânea”. (Lazzarato)
Obrigado, obrigadinho, estamos até quinta, o peixe é fresquinho...
Nunca descobri por que razão me lembro do Shrek dizer isto no filme. Mas hoje, fez sentido.
Obrigado, obrigadinho, estamos até quinta, o peixe é fresquinho...
Nunca descobri por que razão me lembro do Shrek dizer isto no filme. Mas hoje, fez sentido.
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