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terça-feira, 8 de outubro de 2013

Há 100 anos o mundo começava a mudar: para melhor?

Ford, Linha de montagem do Modelo T



Ford concebeu a primeira linha de montagem em 1913 e revolucionou os processos de produção na sua primeira fábrica em Michigan, tornando-se um marco de referência para os métodos de produção em série no mundo. Pagava salários mais altos que os seus concorrentes: 5 dólares por dia (ao invés de 3). Reduziu a jornada diária de 9 para 8 horas de trabalho e a semanal de 6 para 5 dias. O modelo T mudou o mundo: foi o primeiro carro de “massas”, simples, robusto, seguro e principalmente barato.
Nascia a indústria e o consumo em massa.
O conceito de “fordismo”, muito para além da experiência empresarial de Henry Ford, por mais pioneira que possa ter sido, sintetiza um todo um macrossistema ou o "modo de vida total do último auge cíclico do capitalismo” (David Harvey (1989), The Condition of Postmodernity:131).



Fordismo / welfare State: Estado social ou pacto reformista?


A experiência da regulação fordista / welfare State (já no período pós Segunda Guerra) é normalmente identificada como o apogeu dos direitos sociais em toda a história do capitalismo. O estado de bem-estar social projetou-se como a possibilidade de um “lugar ao sol” para todos, como um meio de satisfação das necessidades humanas num arranjo social, político e económico que prescindiria do fim das classes sociais.

No entanto, a regulação fordista, a experiência dos Estados de bem-estar social nunca se universalizou, ficando geograficamente restrita a alguns países mais desenvolvidos na Europa ocidental e temporalmente não durou mais que 30 anos, constituindo, portanto, uma exceção no tempo e no espaço, resultante de uma conjuntura muito especial.
Nesses países, os “trinta anos gloriosos” foram especialmente marcados por avanços sociais que resultaram numa melhoria dos salários e das condições de vida e de trabalho. Mas nunca houve uma completa abrangência da população a incluir na lista pelos direitos sociais. A prosperidade da Europa ocidental não se instalou sem manter a desigualdade social e sem o consequente afloramento dos movimentos sociais de alguns segmentos dos excluídos, daqueles que não foram convidados a participar do pacto fordista. Jovens, mulheres e trabalhadores migrantes permaneceram como força de trabalho precarizada no fordismo, entre outros grupos sociais discriminados, como negros e homossexuais.

O modelo do welfare State desponta num contexto em que o pacto fordista-keynesiano se impõe como a melhor saída para um sistema que não poderia falhar. Terminada a Segunda Guerra Mundial, num contexto de instabilidade próprio do pós-guerra, os trabalhadores não estavam dispostos a deixar as trincheiras e simplesmente voltar para as fábricas, ainda por cima num mundo em que a União Soviética saía fortalecida politicamente do confronto mundial. O final da Segunda Guerra Mundial mudou, de facto, a correlação de forças no planeta em resultado do papel determinante na vitória da URSS, o Estado socialista. Se a mão invisível do mercado conduzisse a sociedade a um “novo 1929”, o capitalismo poderia não mais conseguir deter a ofensiva anticapitalista, viesse ela das forças das forças estalinistas ou de outras forças comprometidas com o socialismo.

Para além do fator político, o modelo fordista-keynesiano também procurou evitar o erro económico que em 1929 havia conduzido o capitalismo à Grande Depressão. “Ford e Keynes haviam percebido que a aceleração dos ganhos de produtividade provocada pela revolução taylorista levaria a uma gigantesca crise de superprodução se não encontrasse contrapartida numa revolução paralela do lado da procura. (...) Mas Ford e Keynes pregavam no deserto. (...) Os temores de Ford, de Keynes e dos sindicatos diante do conservantismo liberal de Hoover, Lloyd George ou Laval encontraram por isso, na Grande Depressão dos anos 30, naquela gigantesca crise de superprodução, uma trágica confirmação", como refere Alain Lipietz.

Portanto, tornava-se agora claro que sem o aumento dos salários e dos “direitos sociais” (salário indireto) para aumentar proporcionalmente o consumo, corria-se seriamente o risco de emergir uma nova crise de superprodução.

Foi assim que o capitalismo convocou os seus representantes no aparelho estatal e nas direções da classe trabalhadora para uma “coexistência pacífica”, para negociar um regime de acumulação capaz de levantar uma economia em ruínas e assegurar que os movimentos operários não ultrapassariam o horizonte do reformismo. O resultado foi a manutenção do capitalismo, embora numa plataforma pouco usual, a começar pela notável expansão do salário indireto, responsável pelo consumo de massa de bens duráveis, o verdadeiro motor do fordismo.

Para esta inédita concertação política e económica entre os países capitalistas, também foram decisivas outras condições objetivas como o controlo do fluxo de capitais, que permitiu uma sujeição das finanças à produção. Só a partir dos anos 1970, com as políticas de desregulamentação Thatcher/Reagan é que este quadro começaria a inverter-se.

Existiu mesmo aquilo que hoje (nostalgicamente) chamamos “Estado social” ou o que existiu foi um pacto destinado, por um lado, a impedir o avanço perigoso da URSS e, por outro, a evitar uma nova crise de superprodução, elevando, para isso, os salários (diretos e indiretos) e assim promovendo (massivamente) o aumento do consumo? (E daí ao endividamento, foi um passo muito pequeno).

A experiência do pacto fordista-keynesiano, que ajustou o capital a determinados compromissos, só foi possível mediante as condições conjunturais caraterísticas do período histórico em que emergiu. Talvez a maior prova das limitações (meramente reformistas) desse pacto seja a própria História. Assim que este modelo deixou de corresponder positivamente à dinâmica da valorização e da acumulação, eis que começa a desaparecer. Ou nunca terá existido...?



Referências bibliográficas
Harvey, David (1989). The condition of postmodernity. An Enquiry into the Origins of Cultural Change. Oxford: Blackwell.
Lipietz, Alain, Audácia: uma alternativa para o século XXI, citado em Veiga, José, “O “fordismo” na aceção regulacionista”, Departamento de Economia da FEA-USP, Revista de Economia Política, vol.17, n.3 (67), julho-set. 1997, pp: 63-70)


2 comentários:

  1. Mais um post mui interessante e com informação que realmente interessa.
    Deixo lhe um link de uma notícia que achei bastante interessante, relacionada com o programa "novas oportunidades".http://www.publico.pt/economia
    Continuação de boas aulas.

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  2. Dei uma vista de olhos no Público/Economia, mas não vi...
    Quanto ao post, esta é a pergunta: existiu, alguma vez, Estado social...?
    Vamos falando :)

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