Robert Kincaid,
52 anos, fotógrafo famoso da National
Geographic, um estranho e quase místico viajante por todos os cantos do
planeta, atravessa o calor e o pó de um verão no Michigan e chega perdido a uma
quinta em busca de informações sobre as pontes de Madison County. Tem uma
reportagem fotográfica para fazer e não as consegue encontrar. Finalmente
encontra uma mulher a quem pede informações.
Francesca
Johnson, 45 anos, é a mulher que vive nessa quinta. Casada com um agricultor do
Iowa (o Condado de Madison
é um dos 99 condados do estado norte-americano do Iowa), Francesca, noiva italiana do pós-guerra, é uma dona de
casa, que vive no seu mundo, embora guarde as memórias dos seus sonhos de juventude.
O marido e os filhos de Francesca tinham acabado de
partir. Estarão ausentes por quatro dias, visitando uma feira que acontece
anualmente numa outra cidade. Esta é a altura do ano em que Francesca fica
sozinha e deixa de viver, por breves dias, em função da sua família. E é este o
momento que marca o início da história. A partir
desse dia a estabilidade das suas vidas começa a desabar, numa experiência de que
não estavam à procura mas que os acompanhará existencialmente para o resto dos
seus dias. Provavelmente, para cada um deles as expectativas de mudança nas
suas vidas pertenciam ao passado. Ou talvez não…
Este filme
coloca-nos no núcleo da ação humana. A
compreensão do agir humano é bastante complexa, existem múltiplas perspetivas,
bem como elementos são quase impercetíveis que nos escapam. É impossível determinar
todas as suas razões, acessíveis apenas àquele que age e, por vezes, nem e
este. O agir humano é tão complexo que nem o próprio sujeito o compreende na
sua totalidade.
Durante o filme somos investidos por emoções
e sentimentos decorrentes da ação das personagens, mas também certamente, por
dúvidas e considerações morais. Aquele encontro é uma descoberta, um daqueles
momentos na vida da ordem da raridade? uma relação de amor entre duas pessoas? uma
“mera” paixão? uma “traição” inaceitável para uma consciência moral(izadora)?
Como entender este Outro concreto,
existencial, uma alteridade que perturba profundamente a vida de Francesca?
Qual o significado deste encontro no sentido geral da sua vida? Um encontro
que, sendo uma vivência especial, pode, afinal, acontecer a qualquer pessoa e
em qualquer momento da vida.
Se nós fossemos o marido de Francesca, como
nos sentiríamos e reagiríamos se conhecêssemos os “factos”? Na vida de
Francesca não há qualquer disfunção, o seu marida não a maltrata, pelo
contrário, o relacionamento de ambos decorre num quotidiano tranquilo.
Se fossemos Kincaid? Como compreenderíamos que
o amor da nossa vida, estando à nossa frente, não está ao nosso alcance? Como
conviver com a separação, ou melhor, com a impossibilidade de uma união?
E se fossemos Francesca? Como poderíamos
escolher entre a família, a tradição, a vida que sempre conhecêramos e a atração
por um mundo novo na figura daquele desconhecido? Como conviver com um amor
para toda a vida que não será mais do que um grande segredo? Como compreender
que para “permanecerem juntos” tenham que ficar separados, para não desabarem
com o peso do abandono da sua família?
Talvez esta dimensão “sacrificial” do desejo seja
a compreensão da verdadeira alteridade. Francesca não nega o que sente, apenas
sofre e silencia a sua perda. Vai realizar a vivência desse amor com a
permanência junto da sua família, numa liberdade interior extraordinária. Será
na tensão desses opostos que ela vive o resto da sua vida.
E é isso que lhe irá permitir contar a
história aos seus filhos. Este será o
segredo de Francesca que só através do legado, de uma carta-testamento,
transmitirá os filhos depois da sua morte.
Na mais memorável
e na mais suspensa das cenas de "Madison County", Francesca reencontra o seu forasteiro,
o inesperado Robert do outro lado da estrada, e do outro lado do mundo, à sua
espera, já depois da sua família ter regressado a casa.
Uma figura encharcada, destroçada, já quase espectral, coloca-se
defronte do carro de Francesca e do seu marido antes de se dirigir ao seu carro
e seguir à frente deles.
No cruzamento,
o semáforo está vermelho, demora uma pequena eternidade, durante a qual
Francesca, sentada ao lado do marido, vai apertando a maçaneta da porta em
gestos de sufocada hesitação. O
carro à sua frente… o semáforo... a luz vermelha... a vontade de partir... a
indecisão, o intenso e desesperado aperto no coração (certamente partilhado com
o espectador). A luz fica verde. O carro da frente
demora a arrancar, espera por Francesca. Por fim, avança voltando à esquerda. O
carro detrás segue outro caminho. Robert continua a sua viagem, Francesca e o
marido também.
Lá fora a
chuva continua torrencial.
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