Falar para um candeeiro...

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O buraco da agulha


 Walker Evans



Não sei qual é o grau de dificuldade de "um camelo passar por um buraco da agulha", mas consigo saber que é muito mais fácil castigar os pobres do que  acabar com a pobreza.
A propósito desta notícia da criminalização dos pobres, aqui ficam as palavras contundentes de Zygmunt Bauman, num excerto do seu livro Vida a crédito.
Vale a pena ler.

“À medida que avançamos para longe da época das conquistas territoriais e da indústria ("fordista") de massa, os pobres já não são mais vistos como os "reservistas" da indústria e do Exército, que devem ser mantidos em boa forma, pois devem estar prontos para serem chamados ao ativo a qualquer momento. Hoje, o gasto com os pobres não é um "investimento racional". Eles são uma dependência perpétua, e não um recurso em potencial. As chances do seu "retorno às fileiras" da indústria são fracas, ao mesmo tempo, os novos exércitos profissionais, pequenos e esmerados, não têm necessidade de buchas de canhão. O "problema do pobre", outrora considerado questão social, tem sido em grande medida redefinido como uma questão de lei e ordem. Há uma clara tendência à "criminalização" da pobreza, como comprova a substituição da "subclasse" por termos como classe "baixa", "trabalhadora" ou "destituída". (Em oposição a esses termos, "subclasse" insinua uma categoria "abaixo", que está do lado de fora, não das outras classes, mas do sistema de classes como tal, isto é da sociedade.)

O propósito primário, definidor, da preocupação do Estado com a pobreza, não está mais em manter os pobres em boa forma, mas em policiar os pobres, mantendo-os afastados das ações maléficas e dos problemas, controlados, vigiados, disciplinados.

As agências para se lidar com os pobres e desocupados não são uma continuação do "Estado social", salvo pelo nome, elas são em tudo os últimos vestígios do panótico, de Jeremy Bentham, ou uma versão atualizada dos abrigos para pobres que precederam o advento do Estado de bem-estar. Essas instituições são muito mais veículos de exclusão que de inclusão; são ferramentas para manter os pobres (isto é, os consumidores falhos numa sociedade de consumidores) fora, e não dentro.

Sejamos claros a esse respeito: não se trata de uma evidência de "esquizofrenia do Estado", nem, como você sugere, da "impossibilidade de Estado". As políticas do Estado moderno, orientado na época e agora por tudo o que é percebido como parte do "interesse da economia", são agora, como antes, "respostas racionais" - muito embora ajustadas ao estado de transformação da sociedade. O "Estado social", que se sente em casa numa "sociedade de produtores", é um corpo estranho e um visitante incómodo numa sociedade de consumidores. Poucas - se é que alguma - forças sociais dão apoio a essa ideia, quanto mais para se mobilizar no sentido de forçar sua criação e manutenção. Para a maior parte de nós, na sociedade de consumidores, os cuidados com a sobrevivência e o bem-estar têm sido "subsidiados" pelo Estado para atender os interesses, recursos e competências individuais.

O que hoje se chama de "Estado de bem-estar" é apenas uma geringonça para combater o resíduo de indivíduos sem capacidade de garantir a sua própria sobrevivência por falta de recursos adequados. Trata-se de agências para registrar, separar e excluir essas pessoas - e mantê-las excluídas e isoladas da parte "normal" da sociedade. Essas agências administram algo como um gueto sem paredes, um campo de prisioneiros sem arame farpado (embora densamente contido por torres de vigia!).”

Bauman, Zygmunt (2010). Vida a crédito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, p. 51-3


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