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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Buen Vivir - Sumak Kawsay, uma oportunidade para imaginar outros mundos

Buen Vivir - Sumak Kawsay,
uma oportunidade para imaginar outros mundos


O capítulo VI do livro El Buen Vivir - Sumak Kawsay, una oportunidad para imaginar otros mundos de Alberto Acosta,  dedicado ao “complexo desafio de construção de um estado plurinacional” apresenta como objetivo repensar e propor uma nova concepção de Estado enquanto forma de organização social e política, para além do conceito de Estado-nação Moderno e liberal.

Reconhecendo o Estado como um espaço político de dominação, Acosta afasta qualquer elemento de ligação às conceções liberais contratualistas, como a de John Locke (Estado como contrato social). Por essa razão, o autor não apresenta a questão do Estado polarizada na dicotomia habitual entre Estado e Mercado e nos efeitos da recomposição das relações entre esses dois elementos. Estado e Mercado não representam duas lógicas distintas, mas a expressão de uma mesma entidade: o Estado neoliberal baseado numa lógica de acumulação capitalista.


Mas recusa também o sentido da crítica marxista, historicamente polarizada na relação capital/ trabalho1, que, neste caso, apenas reconheceria o “problema indígena” como extensão natural de uma lógica sindical aplicada aos camponeses explorados. “Estas lutas não se esgotam na luta de classes”, uma vez que estas sociedades enfrentam também outro tipo de problemas decorrentes da sua própria estrutura social, como conflitos patriarcais, geracionais e racistas. Por exemplo, Spivak, ao teorizar o sujeito subalterno não parte de uma premissa “essencialista”, mas refere um sujeito que não ocupa uma categoria indiferenciada, mas irredutivelmente heterogénea. Se no contexto da produção colonial, o sujeito subalterno não tem história e não pode falar, o sujeito subalterno feminino ainda está mais profundamente na obscuridade.2

Nem a teoría marxista nem a teoría liberal explicam adequadamente o fenómeno do nacionalismo. As nações e o nacionalismo são produtos da Modernidade que foram criados sobretudo para fins económicos e políticos. Através do efeito de mecanismos de dominação ou de paternalismo, o neoliberalismo e o socialismo “conservador” acabam por reforçar ou, na melhor das hipóteses, manter, uma estrutura que opera, relativamente às culturas indígenas, uma tripla desapropriação: do poder, do saber e do ser (colonialidade).

O Estado dentro do sistema-mundo capitalista liberal representa o poder dominador e predatório da colonialidade, configurado num modelo de racialização e manifesto no racismo, como expressão económica, social e política. Por essa razão, os indígenas e as comunidades afro constituem grupos humanos severamente empobrecidos.


No resgate de elementos pré-capitalistas que sobrevivem aos Estados–nação modernos, Acosta propõe uma nova ontologia política, uma outra ideia de Estado e de nação que se funda na des-colonialidade do poder e  na afirmação da pluralidade de visões étnicas e culturais. Não se trata de um regresso a um “paraíso harmónico” ou a uma comunidade idealizada (menos ainda à “comunidade imaginada” de Anderson3), mas do reconhecimento de uma cidadania dotada de direitos (coletivos e não apenas individuais), com valores comunitários e verdadeiramente democráticos e reconhecendo a dimensão ontológica da natureza (cidadania ambiental).

Apesar do Estado plurinacional ter sido levado à categoria constitucional, a realidade não se altera no momento dessa inscrição mas envolve processos emancipatórios de rutura com estruturas neoliberais e lógicas de ação coloniais. Por outro lado, a plurinacionalidade não deve entender-se como nem como justaposição híbrida de visões do mundo indígenas conjugada com visões não indígenas, nem como uma parcialização do Estado, isto é, como uma espécie de reconhecimento paternalista do “indígena” ou dos “afro” como um Outro, a fala do “subalterno” numa palavra que nunca é escutada4.

 

O passo do Estado-nação ao Estado plurinacional, comunitário e autonómico representa um desafio extremamente complexo mas não impossível.

 


Notas



1 Também vários autores da tradição ocidental, pós-moderna e pós-estruturalista, opõem-se à dualização marxista capital/ trabalho. Consideram que existe uma relação de poder que se modificou em relação a essa tradição e que está desterritorializada (Deleuze e Guattari*) e opera num nível de abstração superior, embora se mantenha organizada em torno da propriedade.
A dívida, a estratégia capitalista pós-fordista, deslocou completamente o terreno da luta de classes, para um nível abstrato, universal e desterritorializado, sem distinções entre assalariados e não assalariados, ocupados e desempregados, estudantes ou aposentados, trabalho material ou imaterial. No capitalismo contemporâneo, “o objeto do seu governo é a vida social como um todo, e assim o Império apresenta-se como forma paradigmática de biopoder” (Hardt e Negri**).
Em “Império”, Hardt e Negri apresentam uma nova ordem mundial contemporânea, a que dão o nome de “Império”, a substancia política que, de facto, governa o mundo globalizado, regido por uma única lógica, a do mercado.
Se a propriedade dos meios de produção exigia a disciplina sobre o trabalho, a propriedade abstrata dos títulos de capital, distribuída pelo crédito/dívida, exige o controlo da sociedade em geral,  no alargamento dos mecanismos da produção da subjetividade que constrói e distribui a culpa que representa a “chave da captura da vida” (Agabem***).
*Deleuze, Gilles. e Guattari, Félix (2004). O anti-Édipo, Capitalismo e esquizofrenia 1. Lisboa: Assírio e Alvim
** Hard Michael e Negri, Antonio (2002). Império. Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Record, Rio (3ª edição)
***Agamben, Giorgio (1995). Homo sacer. O poder soberano e a vida nua. Editora UFMG: Belo Horizonte, 2007, p. 34
2 “Entre o patriarcado e o imperialismo, a constituição do sujeito e a formação do objeto, a figura da mulher desaparece, não num vazio imaculado, mas num violento arremesso que é a figuração deslocada da “mulher do Terceiro Mundo”, encurralada entre a tradição e a modernização.” (Spivak, Gayatri (2010). Pode o subalterno falar?, Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 119)
3 Anderson, Benedict (2006). Imagined Communities, London, New York: Verso

4 Essas palavras porque não as ouvimos? Não as ouvimos enquanto elas forem apenas  tomadas na condição dos que “não são contados”: um pobre fala pobre, um imigrante fala imigrante, ele apenas faz reconhecer a sua condição. Espera-se que as vítimas se manifestem como vítimas, que os pobres se manifestem como pobres. (Ranciére, Jacques, “O filósofo da partilha, Entrevista à Revista Ípsilon, 06/04/2007)



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