Alfred Eisenstaedt, Drum Major (1950)
Secretário-geral da UGT diz que portugueses não devem temer resgates
Este episódio já tem várias
semanas, mas há notícias que, de alguma forma, se mantêm atuais.
O secretário-geral da UGT, numa bravata
extraordinária, afirmou que “os
portugueses não precisam de ter medo de um segundo resgate, nem têm que ter
medo do que quer que seja.” Um estonteante “venham
de lá esses resgates!” que fez lembrar o Buzz
Lightyear,
o herói do Toy Story com o seu: “Ao infinito
e mais além.”
Sabendo nós da força devastadora do “ajustamento” dos programas de “resgate” e sabendo que a variável-chave do ajustamento-destruição é precisamente o Trabalho (salários, desemprego, precarização), como entender o guardião dos trabalhadores que assim dá o “peito às balas”.
O resgate é verdadeiramente temível, sim. E muito. Serve para manter esta ordem a qualquer custo, para impedir que o sistema financeiro entre em colapso, garantindo que os “investidores” permaneçam no mercado (seria trágico se todos se lembrassem de vender os títulos) e obrigando os devedores a “sinalizar” que vão pagar. O “socorro” financeiro serve para restabelecer a dinâmica, sempre ameaçada pela intrínseca “desregulação”, à custa da extorsão do trabalho e do enfraquecimento do social pelo financeiro.
Talvez
quisesse dizer que, sendo temível, a nossa resposta não deve ser o medo, que,
de facto, já paira. E já poisa, mobilizado por diversos fantasmas (a “perda de
credibilidade”, a “salvação nacional”, com o respetivo apelo litúrgico da
virtude da “paciência dos portugueses”), numa produção simbólica do inimigo.
Não espanta que o medo, o instrumento que motivou a contratualidade social de
tipo hobbesiano, o Leviatã, reapareça
cada vez mais explicitamente (para Hobbes o “estado de natureza”, anterior ao
aparecimento do Estado, é um “estado de guerra”, ao contrário de Locke que
reconhece no “estado de natureza” a existência de direitos naturais).
Nem
a bravata, nem o medo. Por muitas dificuldades de reapropriação do social pela
sociedade, por muito difícil que seja a constituição de uma mobilização social crítica
e contestatória, ela deve sempre existir, tem que existir e existe.
“O inferno dos vivos não é
algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos
todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer
o inferno. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e
tornar-se parte dele até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada
e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que,
no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.”
Estas são palavras de Marco Polo, postas na escrita por Italo Calvino n’As
Cidades invisíveis, que foi citado por Bauman, que agora é citado por mim.
É assim o conhecimento, o “mais potente de todos os afetos” e que se reparte
como o meio mais eficaz contra o medo. Bravatas à parte.
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