Carolina Beatriz Ângelo (1878 / 1911), porque ontem foi dia de eleições.
Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar em Portugal. A primeira e a única que no ano de 1911 conseguiu (é a palavra certa) votar.
Estávamos
em março de 1911, a jovem república portuguesa ainda não tinha sequer um ano de
idade, quando saiu a Primeira Lei Eleitoral do Regime Republicano.
Quem
podia votar? Segundo a lei, «os cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que
soubessem ler e escrever e fossem chefes de família».
Ora,
sabe-se que gramaticalmente, o plural masculino das palavras inclui o género feminino.
“Huumm… isto interessa-me - terá pensado Carolina, que tinha mais de 21 anos, era médica, viúva e tinha uma filha menor a seu cargo. Portanto era em tudo um “cidadão português, com mais de 21 anos, que sabia ler e escrever e era chefe de família”!
“Huumm… isto interessa-me - terá pensado Carolina, que tinha mais de 21 anos, era médica, viúva e tinha uma filha menor a seu cargo. Portanto era em tudo um “cidadão português, com mais de 21 anos, que sabia ler e escrever e era chefe de família”!
Embora
Carolina não estivesse contemplada na lei, a verdade é que o texto legislativo também não excluía explicitamente as mulheres. Afinal, a palavra "cidadãos" também inclui as "cidadãs".
No
dia 1 de abril do mesmo ano, dirigiu um requerimento ao presidente da Comissão
de Recenseamento do Segundo Bairro de Lisboa no sentido do seu nome «ser
incluído no novo recenseamento eleitoral a que tem de proceder-se». A inédita
pretensão foi remetida para o Ministro do Interior, o grande republicano António
José de Almeida, que não deixou passar (os homens a quem se erguem grandes
estátuas, também têm “pés de barro”).
Sem
“baixar os braços”, a pretensa eleitora apresentou um recurso em tribunal,
argumentando que a lei não excluía expressamente as mulheres.
Assim,
no dia 28 de Abril, o juiz João Baptista de Castro proferia a sentença que
ficaria para os anais da nossa História: «Excluir a mulher (…) só por ser
mulher (…) é simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias
da democracia e justiça proclamadas pelo partido republicano. (…) Onde a lei
não distingue, não pode o julgador distinguir (…) e mando que a reclamante seja
incluída no recenseamento eleitoral».
Um
pormenor: quis a força inexorável da fortuna (ou outra, não sei), que o
juiz a quem coube proferir a referida sentença, fosse nada menos do que
pai de Ana de Castro Osório!
Carolina com Ana de Castro Osório
Passado
um mês, no dia 28 de Maio de 1911, nas eleições para a Assembleia Constituinte,
Carolina Beatriz Ângelo tornou-se a
primeira mulher portuguesa a exercer o direito de voto (no nosso país e
no resto da Europa do Sul).
A
eleitora n.º 2513 apresentou-se na assembleia de voto do Círculo n.º 34 de
Lisboa Oriental, sita no Clube Estefânia, e votou!
Ainda
assim com um pequeno incidente, relatado pela própria no jornal A
Capital: «No final da primeira chamada, o presidente da assembleia [de
voto], Sr. Constâncio de Oliveira, consultou a mesa sobre se deveria ou não
aceitar o meu voto, consulta na verdade extravagante, porquanto, estando
recenseada em virtude duma sentença judicial, a mesma não tinha competência
para se intrometer no assunto».
Carolina,
a eleitora. Com o gesto de colocar o boletim de voto numa urna fez História. De
resto, o caso processo mereceu prolongado alarido mediático e a sua fotografia
surgiu nas primeiras páginas da imprensa. Num dos jornais lia-se: «‘Se a lei
não nos abre a porta, também não nos põe na rua’ - Assim o entende uma denodada
sufragista portuguesa».
O
que Carolina deve ter dado de entrevistas e autógrafos.
Mas,
os republicanos rapidamente contra-atacaram. O caso “Carolina” mostrou aos
governantes da república a necessidade, que teriam julgado indispensável, de mostrar
às mulheres o seu lugar. Não lhes deve ter ocorrido que fosse necessário
explicar o óbvio carácter masculino da política portuguesa (até porque logo na
sessão inaugural da Assembleia Constituinte (19 de Junho de 1911) ficou declarada
a “cláusula de masculinidade” para a entrada no parlamento).
Só para homens!
Assim,
em 1913, surgiu um novo código Eleitoral, que dizia o seguinte: «são eleitores
de cargos legislativos os cidadãos portugueses do sexo masculino maiores
de 21 anos ou que completem essa idade até ao termo das operações de
recenseamento, que estejam no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos,
saibam ler e escrever português, residam no território da República
Portuguesa». Shame on you, avôs
republicanos.
As
mulheres portuguesas teriam de esperar pelo Estado Novo, pelo ano de 1931, para
lhes ser concedido o direito de voto e, ainda assim, de forma precária: apenas
podiam votar as que tivessem cursos secundários ou superiores, enquanto para os
homens continuava a bastar saber ler e escrever.
A
lei eleitoral de Maio de 1946 alargou o direito de voto aos homens que, sendo
analfabetos, pagassem ao Estado pelo menos 100 escudos de impostos e às
mulheres chefes de família e às casadas que, sabendo ler e escrever, tivessem
bens próprios e pagassem pelo menos 200 escudos de contribuição predial…
Em
Dezembro de 1968 foi reconhecido o direito de voto político às mulheres, mas as
Juntas de Freguesia continuaram a ser eleitas apenas pelos chefes de família.
Só em 1974, já depois do 25 de Abril, seriam abolidas todas as restrições à capacidade
eleitoral dos cidadãos tendo por base o género.
É evidente que sabemos por que razão os ilustres republicanos se opuseram ao voto feminino quando ambos os movimentos políticos (o republicanismo e o feminismo) eram ideologicamente tão próximos (e quando a própria Carolina Ângelo era uma defensora e ativista do republicanismo).
Podemos
encontrar a explicação para esta rejeição no anticlericalismo do movimento
republicano, que ao reconhecer a mulher como muito religiosa, reconhecia-a
também como facilmente influenciável pela igreja. Existia um enorme receio da
influência que os padres pudessem ter nas decisões políticas das mulheres.
************
Em
Julho de 1911, Carolina escrevia as suas últimas vontades: «Por ocasião do meu
falecimento, desejo que me seja feito enterro civil. (…) Peço que, logo depois
da minha morte, me coloquem em qualquer compartimento de casa sem sinal algum
de luto e enfeitem tudo com plantas verdes, que eu tanto amo».
Morreu
subitamente, no dia 3 de Outubro de 1911, tinha apenas 33 anos. “Viveu muito,
mas em pouco tempo”.
Hoje
existe um hospital com o seu nome.
Sem comentários:
Enviar um comentário