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domingo, 29 de setembro de 2013

Guardas, prendam a má língua!

Elliott Erwitt, Metropolitan Museum

Papa confia nova tarefa aos guardas do Vaticano: combater a má-língua

“Não à discórdia”, uma vil “tentação que agrada ao diabo, contra a unidade”, diz o papa.

Onde é que eu já ouvi isto?

É exatamente isto que oiço nos discursos dos nossos políticos quando apelam ao "consenso", à “salvação nacional”, melhor dizendo, ao pensamento único. Também eles querem esconjurar a “discórdia”, afastar a “tentação que agrada ao diabo”, entregar a mediação das forcas sociais e políticas aos “guardas”, para “defenderem as portas e as janelas”.
 
A política  é discórdia, é oposição, são "portas abertas". Os espaços "consensuais", aparentemente destituídos dos seus conflitos e desentendimentos inerentes, são lugares apolíticos, são espaços mortos. O “desentendimento” é da ordem do político, o conflito e o dissenso caracterizam a própria vida pública.
 
Os sistemáticos apelos de todos estes "políticos", portugueses e europeus para o “consenso” como a solução para o país, são a própria negação do político, “o que o consenso pressupõe portanto é (...), em suma, o desaparecimento da política” (Jacques Rancière (1996), O desentendimento. São Paulo: Editora 34, p. 105).

O dissenso, não é simplesmente o conflito de interesses ou de valores entre grupos, caricaturalmente apresentado como “intriga”, “calúnia” ou “má-língua”, mas, mais profundamente, é o que possibilita a aparição de certos recortes do mundo que não são evidentes, que não são ditos, que têm que ser construídos.
 
Quando aqueles que habitualmente não têm o direito à palavra pela imposição do silenciamento (silêncio como interdição) se apropriam desse direito, surge a "política" na sua expressão mais verdadeira de acontecimento que perturba e reconfigura a distribuição “consensual” do direito à fala.
 
E hoje é dia de “dizer”.

 

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