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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Algumas desigualdades são mais desiguais que outras (ainda o “piropo”)

Peggy Lee



O tema já tem algumas semanas. Mas vem sempre a tempo, afinal discutimos eternamente os mesmos assuntos, nas suas múltiplas variantes. O tema aqui não é propriamente o piropo mas a forma como foi apresentado por dois comentadores habituais do jornal Expresso, à semelhança de muitos outros comentários afins.

No essencial, um e outro comentador apostaram na superficialização do problema, um deles avança até para a sua ridicularização. Superficializar, para não dizer ridicularizar, é a estratégia mais eficaz de silenciamento. Consegue apagar as relações de poder, de forma a que no debate (sobre o género ou outras questões) reste apenas o elemento ridículo e risível e depois disso, enfim, o silêncio, o não assunto. Nesta matéria, diga-se que o primeiro-ministro foi bem mais desajeitado (isto é, mais explícito) quando simplesmente decretou que "(o processo da licenciatura de Miguel Relvas) é um não assunto." (04-07-2012). Faltou subtileza.

Algo que se chame “piropo” até soa a uma coisa “engraçada”. E que mal é que pode haver numa coisa “engraçada”, numa espécie de “animação de rua”? 
Para os mais ingénuos, nada, porque acham que é um piropo. Não é. É mesmo uma forma de assédio, cuja aparente leveza de ato “simples”, que até pode ser “espirituoso” e do contexto casual e fortuito em que ocorre, só aos mais atentos revela as verdadeiras regras do jogo: o piropo é do homem, dirigido a quem ele quiser, onde e quando ele entender, e nos termos em que bem lhe apetecer. A mulher limita-se a ter que “aceitar” aquilo que não pediu. Tem que ouvir, mesmo que seja a tal “mulher honrada (que) não tem ouvidos”, (um provérbio tão inocente como o piropo). Tem que ouvir, por mais grosseiro que seja. E é sempre grosseiro porque ocorre em circunstâncias sempre desiguais, porque alguém impõe o que a outra parte não pediu nem consentiu. É este o princípio. E o que se deve discutir são princípios e não a suposta “elegância” ou a grosseria deste ou daquele piropo.

O assédio, mesmo na sua versão piropo, é a manifestação de uma relação social. E todas essas relações são, de facto, relações de poder. O poder, como tal, não existe, não é um atributo, o que existe são as relações de poder. É por essa razão que numa situação de violência doméstica a vítima pode ser o homem e a mulher a agressora. O poder não é um atributo dos atores, mas da relação. E o lugar da manifestação desse poder é o nosso mais prosaico quotidiano, o lugar onde tudo acontece na sua imediatez. Concordo assim que não há razão para legislar sobre o piropo, porque, em variados aspetos da nossa vida, o jurídico não pode, e não deve, substituir o que é função da educação e da cidadania.

Um dos comentadores decretou que “o piropo, como quase tudo o que se queira analisar nas relações entre homens e mulheres depende da forma, do contexto, da elegância, da oportunidade” – o contexto é o do não consentimento, pelo que não consigo ver a oportunidade, muito menos a elegância. O outro comentador, mais condescendente, sentenciou que o piropo “Não é tema político”. Quererá porventura dizer que não é um tema partidário - uma confusão demasiado recorrente. Um tema político será certamente, como o são todas as manifestações de poder.

As formas rudimentares produzem o silenciamento ou, na melhor das hipóteses, superficializam a discussão e o pensamento. O pequeno arbusto é a árvore possível quando não se consegue ver a floresta.


Declaração de interesses: não sou militante do Bloco de Esquerda, nem de nenhum outro partido (e não é por acaso). Também não creio ter a independência comprometida por ser mulher, porque há muitos homens que estarão de acordo. Os outros, se se esforçarem, também hão-de conseguir. 


2 comentários:

  1. Encontrei este vídeo e achei "piada" ao local...

    http://www.youtube.com/watch?v=qiLr-0iahEY

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  2. Não conhecia o vídeo, mas, escusado será dizer, que subscrevo inteiramente. Aqui está uma análise simples mas com bastante capacidade para desconstrruir. Vou pôr este vídeo num post. Obrigada, PIratus.
    Quanto à sala, desconfio que aquele armário era dos PRAs :)

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