O
tema já tem algumas semanas. Mas vem sempre a tempo, afinal discutimos
eternamente os mesmos assuntos, nas suas múltiplas variantes. O tema aqui não é
propriamente o piropo mas a forma como foi apresentado por dois comentadores
habituais do jornal Expresso, à semelhança
de muitos outros comentários afins.
No
essencial, um e outro comentador apostaram na superficialização do problema, um
deles avança até para a sua ridicularização. Superficializar, para não dizer
ridicularizar, é a estratégia mais eficaz de silenciamento. Consegue apagar as
relações de poder, de forma a que no debate (sobre o género ou outras questões)
reste apenas o elemento ridículo e risível e depois disso, enfim, o silêncio, o
não assunto. Nesta matéria, diga-se que o primeiro-ministro foi bem mais desajeitado
(isto é, mais explícito) quando simplesmente
decretou que "(o processo da
licenciatura de Miguel Relvas) é um não assunto."
(04-07-2012). Faltou subtileza.
Algo que se chame
“piropo” até soa a uma coisa “engraçada”. E que mal é que pode haver numa coisa
“engraçada”, numa espécie de “animação de rua”?
Para os mais ingénuos, nada, porque acham que é só um piropo. Não é. É mesmo uma forma
de assédio, cuja aparente leveza de ato “simples”, que até pode ser “espirituoso”
e do contexto casual e fortuito em que ocorre, só aos mais atentos revela as verdadeiras
regras do jogo: o piropo é do homem, dirigido a quem ele quiser, onde e quando
ele entender, e nos termos em que bem lhe apetecer. A mulher limita-se a ter
que “aceitar” aquilo que não pediu. Tem que ouvir, mesmo que seja a tal “mulher
honrada (que) não tem ouvidos”, (um provérbio tão inocente como o piropo). Tem que ouvir, por mais grosseiro que
seja. E é sempre grosseiro porque ocorre em circunstâncias sempre desiguais,
porque alguém impõe o que a outra parte não pediu nem consentiu. É este o princípio.
E o que se deve discutir são princípios e não a suposta “elegância” ou a grosseria
deste ou daquele piropo.
O assédio, mesmo na
sua versão piropo, é a manifestação de uma relação social. E todas essas
relações são, de facto, relações de poder. O poder, como tal, não existe, não é
um atributo, o que existe são as relações de poder. É por essa razão que numa
situação de violência doméstica a vítima pode ser o homem e a mulher a
agressora. O poder não é um atributo dos atores, mas da relação. E o lugar da
manifestação desse poder é o nosso mais prosaico quotidiano, o lugar onde tudo
acontece na sua imediatez. Concordo assim que não há razão para legislar sobre
o piropo, porque, em variados aspetos da nossa vida, o jurídico não pode, e não
deve, substituir o que é função da educação e da cidadania.
Um dos
comentadores decretou que “o piropo, como quase tudo o que se queira analisar
nas relações entre homens e mulheres depende da forma, do contexto, da
elegância, da oportunidade” – o contexto é o do não consentimento, pelo que não
consigo ver a oportunidade, muito menos a elegância. O outro comentador, mais
condescendente, sentenciou que o piropo “Não é tema
político”. Quererá porventura dizer que não é um tema partidário - uma confusão demasiado recorrente. Um tema político
será certamente, como o são todas as manifestações de poder.
As formas rudimentares
produzem o silenciamento ou, na melhor das hipóteses, superficializam a
discussão e o pensamento. O pequeno arbusto é a árvore possível quando não se
consegue ver a floresta.
Declaração de interesses: não sou militante do Bloco
de Esquerda, nem de nenhum outro partido (e não é por acaso). Também não creio
ter a independência comprometida por ser mulher, porque há muitos homens que estarão
de acordo. Os outros, se se esforçarem, também hão-de conseguir.
Encontrei este vídeo e achei "piada" ao local...
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=qiLr-0iahEY
Não conhecia o vídeo, mas, escusado será dizer, que subscrevo inteiramente. Aqui está uma análise simples mas com bastante capacidade para desconstrruir. Vou pôr este vídeo num post. Obrigada, PIratus.
ResponderEliminarQuanto à sala, desconfio que aquele armário era dos PRAs :)