“Alice pegou no leque e nas luvas e, como estava muito
calor abanou-se enquanto dizia:
- Meu Deus, meu Deus! Como tudo hoje é estranho!
Ontem, tudo parecia normal. Será que sofri alguma transformação durante a
noite? Deixa-me ver… Será que era a mesma quando me levantei de manhã? Acho que
já me sentia um pouco diferente. Mas, se não sou a mesma, quem diabo sou? Ah,
aí é que está o grande problema…”
Lewis Carroll, Alice no país das
maravilhas
A luta do sujeito é um pouco como esta estranha luta
de Alice: a de desvendar o grande mistério que envolve o modo como cada um
de nós é produzido, o modo como se constituem formas de ver, de sentir e de estar
no mundo?
A
subjetividade, desde Platão à Modernidade, tem sido vista como sendo constituída
por “essências” ou “linhas duras” (“molares”),
que organizam as grandes divisões binárias: homens versus mulheres, brancos versus
negros, heterossexuais versus homossexuais,
crianças versus adultos, europeus versus africanos, etc.
Mas essas divisões apresentam todas o mesmo problema: supõem precisamente
aquilo que é preciso explicar. E o que é preciso explicar é por que razão se dá
como adquirido que milhões de homens, de mulheres, de heterossexuais, de
homossexuais, etc., sejam todos iguais entre si e sejam todos diferentes em
relação aos outros.
As
linhas duras são modos hegemónicos de ser, com base em formações binarizadas muito endurecidas ou sobrecodificadas. E por isso funcionam como
dispositivos de captura e controlo da subjetividade.
O
que é verdadeiramente extraordinário no pensamento de Judith Butler, que a
coloca numa “galáxia” muito seleta é precisamente a capacidade de pensar um “mundo não binário” (aqui).
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