"Qual é o valor da tua "farramenta"?
A discussão,
entre estes dois “homens do povo”,
inserida
no movimento de ocupação da Torre Bela em Manique do Intendente no “verão
quente” de 1975,
toca no ponto mais decisivo: a propriedade e
o trabalho. É disso que tratam as revoluções e por isso esta é a melhor
discussão de sempre!
Segundo
Locke, um dos teóricos mais influentes do liberalismo, quem teria razão nesta
discussão sobre a “enxada da comprativa”, junto ao palácio ocupado onde um dia se viveu
a utopia?
No seu “Ensaio sobre a verdadeira origem, extensão e
fim do governo civil”, John
Locke dedica o Capítulo V ao tema “Da propriedade”.
Diz
ele: “Aquele que se alimenta com as bolotas que apanhou debaixo de um carvalho,
ou com as maçãs que colheu das árvores nos bosques, sem dúvida se apropriou
delas: ninguém pode negar que este alimento é seu. Pergunto, quando começaram,
elas a ser suas? Quando ele as digeriu, ou quando as comeu, ou quando as cozeu,
ou quando as trouxe para casa, ou quando as colheu? E é evidente que se pela
acção de colher se não fizeram propriedade sua, muito menos se farão de outra
qualquer maneira; aquele trabalho pôs uma distinção entre elas e o comum,
ajuntou-lhes alguma coisa mais do que a natureza, a mais comum de todos, tinha
feito. E dirá alguém que ele não tinha direito algum àquelas bolotas ou maçãs,
que ele assim apropriou, por não ter o consentimento de todo o género humano
para as apropriar? Acaso foi um roubo ter-se assumido desta maneira aquilo que
pertencia a todos em comum? Se um tal consentimento tivesse sido necessário, o
homem teria perecido à fome, não obstante a abundância que Deus lhe tinha dado.”
Para Locke o trabalho é a origem e a justificação da
propriedade. O direito
de propriedade a partir do trabalho é algo novo na história da teoria política,
superando-se a conceção bíblica de que a terra é uma herança intocável e
sagrada.
Por
meio do trabalho o homem retira da natureza o necessário para a sua conservação
e, ao fazê-lo, os recursos que a natureza lhe disponibiliza deixam de ser
comuns e passam a propriedade de alguém. Como o homem necessita de trabalhar
para garantir a sua subsistência, é a própria condição humana o fundamento
primeiro do direito de propriedade. Daí a propriedade ser um dos três direitos
naturais, segundo Locke.
O limite da propriedade era, portanto,
fixado pela capacidade de trabalho do ser humano. Posteriormente, o
aparecimento do dinheiro, que possibilitava a troca de coisas úteis, mas
perecíveis, por algo duradouro (ouro e prata), alterou essa situação. Surgiu o
comércio e também uma nova forma de aquisição da propriedade, que, além do
trabalho, poderia ser adquirida pela compra. O uso da moeda levou, finalmente,
à concentração da riqueza e à distribuição desigual dos bens entre os homens.
O direito de propriedade segundo Locke é a extensão de terra que cabe a cada homem, é o que ele tem capacidade de lavrar, semear e cultivar. Locke não fala em acumulação da propriedade para fins especulativos.
Então,
segundo
Locke, quem tem razão nesta discussão sobre a “enxada da comprativa"?
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