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quinta-feira, 30 de abril de 2015

A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos

William Hogarth



Por definição, a vida de todos os dias acontece… todos os dias. Sem sobressalto e sem história, como se vida quotidiana e história fossem irreconciliáveis.

De facto, não é fácil transformar a quotidianeidade familiar em algo exterior, não é fácil o “estranhamento” da realidade aparentemente tão familiar, tão pouco “exótica”, não é fácil converter a lenta vida quotidiana em permanente surpresa. No fundo, o quotidiano é “o que no dia-a-dia se passa quando nada se pa­rece passar”.

Um mestre zen pediu uma vez a um discípulo que desenhasse à mão um círculo, o mais perfeito possível. O discípulo desenhou então uma desajeitada figura que mais parecia um ovo, embora merecendo largos elogios do mestre, que lhe disse: “Não será um círculo perfeito; contudo é uma outra qualquer figura perfeita.” As criações do quotidiano são como aquele ovo, uma forma rigorosa e perfeita mas de uma outra coisa qualquer, de algo a que ninguém nunca deu um nome.

Apanhar a realidade fugaz do quotidiano, do que não é grandioso ou essencial é rasar uma superfície num voo baixo e minucioso, como William Hogarth no século XVIII que pintava tabernas, cenas banais da vida quotidiana. Retratava temas de “género inferior”, modelos humanos, plebeus a frequentarem tabernas, em vez das belas figuras delicadas que representavam acontecimentos e personagens da Bíblia. Ou como Caravaggio no século XVII que não recusava sequer a feiura ou a deformidade dos modelos humanos.

Na verdade, o quotidiano está cheio de vida, de histórias, de lugares, práticas, normas, regras, hábitos, encontros e desencontros, pequenas fúrias e breves alegrias. Tudo faz parte do quotidiano, como as conversas sobre o tempo ou a ida “ao pão” pela manhã cumprimentando o vizinho com um bom dia sem saber por que razão lhe perguntar “como está?” se responderá sempre “bem, obrigado”.

O dia de hoje, em que não está calor nem está frio, em que não há precipitação ou vento forte, nem agitação marítima, nem alertas “laranjas ou vermelhos” e em que nada de grandioso se prepara para acontecer, é exatamente como quase todos os dias da nossa existência. Dias únicos e irrepetíveis, por onde, lembrando John Lennon, decorre a vida, “aquilo que acontece enquanto fazemos planos”.  










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