A captura da imaginação e do desejo: o portão está aberto, mas não é fácil sair.
A “revolução
social”, ou como diria Guattari "revolução
molecular", são transformações na
maneira de elaborar o mais concreto dia-a-dia e não o assalto a um
Palácio de Inverno, o marco da revolução de outubro de 1917. São mil pequenos gestos quotidianos, para além da ideologia
ou das receitas. É preciso enfrentar o controlo
diário na construção do sujeito e de formas de vidas, exercido ao nível da
imaginação e do desejo, da linguagem da culpa, da tristeza que nos isola e diminui
a nossa força de agir.
De
acordo com o esquema interpretativo “infraestrutura versus superestrutura” que a tradição marxista consagrou, a produção ficaria concentrada na base económica
(infraestrutura), enquanto a instância da superestrutura, mesmo que
identificada com uma “produção” ideológica, não se caracterizaria por uma
produção eminentemente económica, mas, de certa forma, “ao serviço” desta. A
superestrutura seria o lugar da criação dos valores e das opiniões, da linguagem
em geral e também de grande parte da produção científica e artística. E assim,
a subjetividade, como algo abstrato ou imaterial, seria constitutiva desta (super)estrutura
ideológica.
A subjetividade é um sistema complexo e muito heterogéneo, composto pelo sujeito e pelas inúmeras relações que ele estabelece. É a construção da vida mais precisamente das formas de vidas, pois a subjetividade está nas “maneiras de sentir, de amar, de perceber, de imaginar, de sonhar, de fazer, mas também de habitar, de vestir-se, de se embelezar, de fruir etc.” (Pelbart, 2000, p.37). E por essa razão, ao invés de perguntar-se pelo sujeito deve perguntar-se antes pelas condições de produção desse sujeito.
Para Guattari, a
subjetividade não é algo abstrato, pelo contrário, “o
seu campo é o de todos os processos de produção social e material.” (Guattari e Rolnik, 1996, p. 32). Félix Guattari dirá mesmo que a subjetividade, de natureza
“industrial” e “maquínica, é “manufaturada como o são a energia, a eletricidade
ou o alumínio” (Guattari e Rolnik, idem, p. 34) numa imensa linha de montagem,
disseminada por todo o corpo social, que funciona como indústria base da nossa
sociedade capitalista. “A
produção da subjetividade encontra-se com um peso cada vez maior no seio
daquilo que Marx chama infraestrutura produtiva.” (Guattari, 2006, p. 29)
Deleuze também não reconhece o processo de produção da subjetividade como algo que atue na
“superestrutura”, assente na ideologia. “O desejo faz parte
da infraestrutura (não acreditamos de modo algum num
conceito como o de ideologia, que não dá bem conta dos problemas: não há ideologias)
” (Deleuze, 2008, p. 30).
De facto, a afirmação da subjetividade como algo que
passa por um processo de produção (como uma mercadoria, portanto), tem como
pressuposto uma relação distinta daquela que a teoria marxista consagrou no que
diz respeito à relação dialética entre base económica e superestrutura
ideológica.
Nos termos que os autores aqui referidos propõem, a
subjetividade é identificada como um dos lugares fundamentais da produção, tanto
económica quanto política e até mesmo um dos centros da produção. Não há
distinção entre base económica e superestrutura ideológica, ou pelo menos, “os
diferentes registos semióticos que concorrem para o engendramento da
subjetividade não mantêm relações hierárquicas obrigatórias, fixadas
definitivamente.” Guattari apresenta como exemplo o facto de uma “semiotização
económica poder tornar-se dependente de fatores psicológicos coletivos, como se
pode constatar com a sensibilidade dos índices da Bolsa em relação às
flutuações da opinião.” (Guattari, idem, p. 11)
É o carater eminentemente material da
subjetividade que a mantém num ambiente de produção, embora não centrada no eixo
da economia. E é exatamente para a produção de modos de vida que a
subjetividade é mobilizada, enquanto que a noção de ideologia a faz permanecer na esfera da representação, não
conseguindo dar conta da função – produtiva/produtora - da subjetividade.
E assim o discurso da infraestrutura é o discurso “técnico” enquanto o discurso da “superestrutura” é relegado para um discurso “subjetivo”.
Guattari,
Félix (2006). Caosmose. Um novo paradigma estético. São Paulo, Editora 34
Deleuze, Gilles (2008a). Conversações,
1972-1990. S. Paulo: Editora 34 (7ª edição)
Pelbart, Peter Pál (2000). A vertigem por um fio. Políticas de
subjetividade contemporânea. São Paulo. Editora Iluminuras.
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