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quinta-feira, 7 de maio de 2015

5 caminhos para entender a dívida

Pollard Willows (Vincent van Gogh)



Nos espaços públicos de discussão, a dívida é habitualmente apresentada como uma questão de natureza económico-financeira, num debate que se tem concentrado sobretudo em aspetos técnicos.
Mas, sendo mais do que uma questão técnica, como compreender a dívida como uma realidade constituída por múltiplas superfícies, por mille plateaux” que ligam camadas sobrepostas em patamares distintos uns dos outros mas com passagens entre si?

Para uma compreensão da dívida “para além dos números”, existem diferentes patamares que constituem vias de acesso para uma compreensão deste fenómeno, como os 5 caminhos que a seguir referimos:

1. A genealogia da dívida, o seu processo de emergência nos longínquos impérios agrários da Babilónia e do Egito há cerca de 5000 anos, onde surgiu pela primeira vez uma forma-dívida que, de certa maneira, se prolonga até hoje.
Este caminho permite compreender em que tipo de sociedades emergiu historicamente a dívida e de que forma uma relação social de dívida entre pessoas de uma mesma comunidade deu lugar a uma relação despersonalizada e quantificada.

2. A arqueologia do mercado na modernidade liberal do século XIX e como essa forma-mercado viria a dominar toda a sociedade, numa intensificação e difusão dos seus mecanismos.
Uma abordagem a este nível permite aceder à compreensão do amplo processo de mercantilização que se desenvolveu nas sociedades humanas e que veio desestruturar a lógica da reciprocidade na troca. Trata-se de entender  de que forma, no século XIX, o “mercado” ultrapassou formações económicas anteriores e qual o impacto dessa transformação na dívida.

3. O processo de reorganização do capital a partir da década de 70 do século XX, designadamente através da desregulamentação financeira e da revolução “antiburocrática” no desmantelamento de regimes fechados de produção e na regulação técnica de formas democráticas de governo.
Situar a discussão neste patamar fornece elementos para a compreensão de um amplo conjunto de transformações a nível político, económico e social que fez expandir o endividamento público e privado a partir da década de 70.

4. As transformações em zonas de subjetivação e não apenas no campo da produção, uma vez que o sujeito (endividado) é atravessado por um conjunto de instâncias e forças que moldam e estruturam a sua subjetividade.
Esta superfície de análise possibilita pensar sobre o conjunto de forças de modelação que atravessam o sujeito devedor, exercendo sobre ele um controlo para que pague as suas dívidas. Trata-se, portanto, de discutir como se constitui uma subjetividade devedora ou, mais genericamente, como se estruturam os processos de subjetivação.

5. Por último, a prática discursiva que organiza o consenso, enquanto entendimento ou “política geral” de verdade também oferece um importante caminho de acesso à compreensão da dívida.
A este nível colocam-se questões sobre a forma como falamos acerca da dívida, designadamente por que razão a dizemos desse modo e não de forma diferente e se é possível dizer a dívida de outra forma.

A ligação destes caminhos permite reconhecer a dívida como o verdadeiro motor económico e subjetivo da sociedade contemporânea, isto é, como um instrumento de gestão macroeconómica que instala um mecanismo de redistribuição de rendimentos, ao mesmo tempo que funciona como um dispositivo de produção e controlo da subjetividade, que atua transversalmente sobre (quase) toda a sociedade.


E haverá ainda outras possibilidades para entender a dívida, que põem em causa as "inevitabilidades" técnicas que têm confinado o caminho da discussão a uma via de sentido único.








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