Falar para um candeeiro...

terça-feira, 7 de julho de 2015

Tudo é provisório, o amor, a arte, o planeta Terra, vocês, eu, sobretudo eu.




 “A Lagarta e Alice olharam-se durante algum tempo em silêncio. Por fim, a Lagarta tirou o cachimbo da boca falando-lhe numa voz lânguida e sonolenta:
- Quem és tu?- perguntou a Lagarta.
Esta não era, certamente, a melhor maneira de iniciar uma conversa. Alice respondeu envergonhada:
- Presentemente nem eu sei muito bem quem sou... Hoje de manhã, quando me levantei, sabia muito bem quem era, mas desde então tenho sofrido várias transformações.
- O que queres dizer com isso? Explica-te – exigiu a Lagarta muito séria.
- Eu não me posso explicar porque, está a ver, eu não sou eu.
Não, não posso ver - replicou a Lagarta.
- Receio não poder explicar melhor.”
 
Nesta passagem de Alice no país das maravilhas, Lewis Carroll remete para uma questão fundamental: a construção do sujeito e a quantidade de vezes que mudam os modos de ser desse sujeito.
 
A construção da subjetividade está entrelaçada numa rede de relações (familiares, profissionais, sociais), de práticas discursivas e de outras materialidades que fazem parte das coisas para “se estar no mundo” e que atravessam o visível e o simbólico (como os meios de comunicação social, a ciência, a arte, os artefactos  com todo o tipo de objetos), produzindo efeitos de verdade ou de normalidade
 
A partir do momento em que se classifica um tipo de sujeito como ´normal´, elege-se apenas um tipo de subjetivação, num efeito de generalização e de naturalização. Desta forma, aquilo que é resultado de uma produção, tende a ser essencializado, cristalizado, submetendo todos à normalização. Aquilo que escapa a este efeito é o ´diferente´, é o ´outro´.
 
Mas a ‘diferença’ tem que ser integrada na ordem ‘normal’. É importante problematizar como se constitui o sujeito no interior de um jogo de materialidades para poder “estranhar” os efeitos produzidos na fabricação dos sujeitos, que se tecem em práticas imersas em relações de saber-poder.
 
“Alice pegou no leque e nas luvas e, como estava muito calor abanou-se enquanto dizia:
- Meu Deus, meu Deus! Como tudo hoje é estranho! Ontem, tudo parecia normal. Será que sofri alguma transformação durante a noite? Deixa-me ver… Será que era a mesma quando me levantei de manhã? Acho que já me sentia um pouco diferente. Mas, se não sou a mesma, quem diabo sou? Ah, aí é que está o grande problema…”
  
A luta de  todos nós é como esta estranha luta de Alice: a de continuar a desvendar o grande mistério que envolve o modo como cada um de nós é produzido.
 
 
 
 

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