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quinta-feira, 9 de julho de 2015

O jovem Cristo e os doutores do templo: entre Lucas e Dürer

Cristo entre os doutores, Albrecht Dürer (1506)

“Como não conseguiam encontrá-Lo, retornaram a Jerusalém para procurá-lo. Após três dias encontraram-n’O no templo, sentado entre os doutores, ouvindo-os e fazendo-lhes perguntas. Todos os que o ouviam ficavam maravilhados com a Sua inteligência e as Suas respostas.” (Lucas, 2:45-47)

 
O quadro de Albrecht  Dürer não representa o Templo, onde decorre a ação referida em Lucas, mas antes parece apresentar-nos uma aproximação (zoom) aos rostos das personagens aí retratadas.
 
Embora se trate de uma composição repleta do colorido tipicamente renascentista (Albrecht Dürer, (Nuremberga, 1471/1528), é considerado o mais destacado artista do Renascimento alemão), o ambiente representado é de uma tensa obscuridade. A deformidade dos rostos dos doutores sugere até uma certa proximidade com uma estética do grotesco (que também podemos ver noutros quadros seus, como em “Avareza”).
 
O ar que se respira é opressivo e nada ali parece ter vida: as personagens não conversam uns com os outros e mesmo os livros parecem indicar uma erudição tão arrogante quanto vazia, própria das Leis feitas pelos homens. Aquele enxame de doutores forma uma massa de anciãos quase a esmagar a inocência de Jesus, ao centro, cuja beleza simples, mas de olhar evasivo, contrasta com a face desconfiada e malévola, quase diabólica dos doutores.
 
Ao contrário da descrição de Lucas, Dürer na sua obra não nos faz ver o diálogo que maravilhou quantos o ouviam. Ali nem ninguém ouve nem faz perguntas. Mas talvez dessa forma o pintor se aproxime mais do sentido das palavras do evangelista, acabando por mostrar a verdadeira natureza da incomunicabilidade daquele “diálogo”, que não passa de um desencontro. As tortuosas cabeças dos doutores estão cheias de uma sabedoria baseada naqueles livros pesados e austeros, alguns deles ali exibidos abertos, e o complicado reino onde tanto cogitam e decidem nada diz a quem vive fora daquele mundo fechado.
 
Não há comunicação. As mãos que, ainda assim, se chegam a tocar apenas vislumbram um gesto de contacto muito ténue entre interlocutores que não se olham.
 
O diálogo é uma ilusão, como a sabedoria dos doutores.
 
 
 
 
 

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