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sexta-feira, 10 de julho de 2015

Os pastores da (minha) Arcádia

Nicolas Poussin, Os pastores da Arcádia (1637-1638)
Numa paisagem tranquila, iluminada pela luz quente da manhã, uma mulher e três pastores com os seus cajados e coroas florais na cabeça estão diante de uma austera pedra tumular, que encontraram isolada junto a umas árvores. No céu veem-se nuvens e no horizonte perfila-se uma cadeia de montanhas. Toda a calma daquela paisagem reflete uma relação do homem com a natureza em estado de harmonia.
 
Um dos pastores tenta decifrar a inscrição contida na lápide, enquanto outro, que segura um cajado na mão direita, olha para a mulher, apontando-lhe essa inscrição. O terceiro pastor, de pé, com a mão esquerda sobre  a pedra tumular, permanece silencioso. A mulher, que pousa a mão direita no ombro de um dos pastores, mostra-se expectante, com os olhos fixos naquele que decifra a inscrição.
Na lápide pode ler-se “Et in Arcadia ego”. A frase em latim diz-nos, numa tradução livre: “eu estive na Arcádia, o nome de uma província da antiga Grécia.
 
O confronto com a irreversibilidade da nossa principal limitação, a finitude da condição mortal do homem, aparece então diante dos nossos olhos quando observamos aqueles “pastores da Arcádia” que descobriram o túmulo.
 
O sentido da frase na lápide do túmulo é muito discutível. Talvez aí se perceba como os gregos e a sua cultura influenciaram o pensamento artístico e filosófico de Poussin, o autor do quadro, e dos seus contemporâneos. Talvez seja uma frase que muitos de nós gostaríamos de ter no túmulo. Conhecer o berço das antigas civilizações, lugares de culturas, onde o velho e o novo se misturam e onde encontramos as diferentes culturas dos povos que guardam o tesouro que é o saber humano.
 
Mas exatamente hoje, numa tradução ainda mais livre daquela frase naquele túmulo, quero pensar que todos nós estivemos na Arcádia, enquanto a nossa própria origem e berço. Da minha Arcádia, junto ao eterno Ulombe fará sempre parte a minha querida tia Deolinda, que agora partiu mas que ficará na minha memória, como alguém que conheço desde a minha própria origem.
 
Até sempre.





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