Edouard Debat-Ponsan, “Uma
manhã fora das portas do Louvre” (1800).
A rainha de França,
Catarina de Medici, passando calmamente entre as vítimas de 1572,
o Dia do Massacre de S. Bartolomeu
o Dia do Massacre de S. Bartolomeu
“Os alemães e os seus acólitos tinham
um programa de humilhação, com um acordo que foi afinal escrito pelo Syriza a
branco, para eles o reescreverem a preto. O acordo com a Grécia, na realidade
um diktat,
só tem uma lógica: obrigar os gregos a engolir tudo o disseram que não
desejavam.” (Público, Pacheco Pereira, aqui)
Participei com um artigo para um livro, recentemente publicado,
intitulado “De Pé, Ó Vítimas da Dívida!” (com a edição do Le Monde Diplomatique deste mês, leitura que naturalmente recomendo). Como já tive oportunidade de dizer, só concordo com parte do título: “De
pé”. Com a outra metade, a das “vítimas”, tenho algum desacordo, embora bastante mitigado pela referência explícita ao velho hino.
E estou em desacordo por razões muito parecidas com aquelas que
sinto quando
leio palavras como as de Pacheco Pereira, ou outras que tais, palavras aparentemente pró-Grécia e que
se abatem com toda a força contra os “alemães e os
seus acólitos”.
Pois bem, considero que, num certo sentido, se abatem ainda mais
violentamente contra os próprios gregos, uma vez que esse mesmo discurso os reduz
à maior das impotências: à condição de humilhados, de expropriados, numa
palavra à condição de vítimas. Os pobres gregos!
Não estou a dizer que não que não existiu a intenção de
humilhação da Alemanha, porque essa intenção existiu. Estou antes a dizer que a
capacidade política de enfrentar e rejeitar qualquer tentativa de humilhação,
requer que a “vítima” não aceite colocar-se justamente no papel (de humilhado)
que o agressor lhes reservou.
Ser vítima consiste precisamente
na maior expropriação política. Uma vítima não se pode
constituir como sujeito político. Tudo aquilo que uma vítima faz, enquanto tal, é pedir
proteção ou a clemência do (e ao) seu agressor. Não há nada mais penoso, não há nada
que roube mais a potência de agir do que isto. A fala da vítima não se ouve, “não as ouvimos
enquanto elas forem apenas tomadas na
condição dos que “não são contados”: um pobre fala pobre, um imigrante fala
imigrante, ele apenas faz reconhecer a sua condição. Espera-se que as vítimas
se manifestem como vítimas, que os pobres se manifestem como pobres.”
(Ranciére, “O
filósofo da partilha”, Entrevista à Revista
Ípsilon (06/04/2007), p. 28)
Gayatri Spivak colocou esta questão em termos certeiros: “pode o subalterno falar?” Num ensaio com o mesmo nome, Spivak
refira-se a uma subalternidade específica: a mulher pobre negra, e nessa
condição, uma subalternidade triplamente implicada na pobreza, porque mulher,
porque pobre e porque negra. Segundo ela, entre os diferentes lugares de fala ocupados
pelo sujeito, a figura da mulher,
pobre e negra, “desaparece”. O subalterno não pode falar. A condição de vítima,
na sua impotência, é a de uma subalternidade política.
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