Cristo entre os doutores, Albrecht Dürer (1506)
“Como não conseguiam
encontrá-Lo, retornaram a Jerusalém para procurá-lo. Após três dias encontraram-n’O
no templo, sentado entre os doutores, ouvindo-os e fazendo-lhes perguntas. Todos
os que o ouviam ficavam maravilhados com a Sua inteligência e as Suas respostas.” (Lucas, 2:45-47)
O quadro de Albrecht Dürer não representa o Templo, onde decorre a ação referida
em Lucas, mas antes parece apresentar-nos uma aproximação (zoom) aos rostos das personagens aí retratadas.
Embora se
trate de uma composição repleta do colorido tipicamente renascentista (Albrecht
Dürer, (Nuremberga, 1471/1528), é considerado o mais destacado artista do
Renascimento alemão), o ambiente representado é de uma tensa obscuridade. A deformidade dos
rostos dos doutores sugere até uma certa proximidade
com uma estética do grotesco (que também podemos ver noutros quadros seus, como
em “Avareza”).
O ar
que se respira é opressivo e nada ali parece ter vida: as personagens não conversam uns
com os outros e mesmo os livros parecem indicar uma erudição tão arrogante
quanto vazia, própria das Leis feitas pelos
homens. Aquele enxame de
doutores forma uma massa de anciãos quase a esmagar a inocência de Jesus, ao centro, cuja beleza simples,
mas de olhar evasivo, contrasta com a face desconfiada e malévola, quase
diabólica dos doutores.
Ao contrário
da descrição de Lucas, Dürer na sua obra não nos faz ver o diálogo que
maravilhou quantos o ouviam. Ali nem ninguém ouve nem faz perguntas. Mas talvez
dessa forma o pintor se aproxime mais do sentido das palavras do evangelista,
acabando por mostrar a verdadeira natureza da incomunicabilidade daquele “diálogo”, que não passa de um desencontro. As tortuosas cabeças dos doutores estão cheias
de uma sabedoria baseada naqueles livros pesados e austeros, alguns deles ali
exibidos abertos, e o complicado reino onde tanto cogitam e decidem nada
diz a quem vive fora daquele mundo fechado.
Não há
comunicação. As mãos que, ainda assim, se chegam a tocar apenas vislumbram um gesto
de contacto muito ténue entre interlocutores que não se olham.
O diálogo é
uma ilusão, como a sabedoria dos doutores.
Sem comentários:
Enviar um comentário