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sábado, 9 de maio de 2015

O sujeito não é, faz-se

Fotografia de Izis Bidermans
 
 



Contra uma visão tradicional – e essencialista - do sujeito, colocado desde a "transcendência" da alma até à "naturalidade" do indivíduo, visão de que ainda hoje somos largamente herdeiros, o sujeito não está dado, mas faz-se, constitui-se nos diferentes contactos e encontros vividos com o outro, que pode ser o outro social, mas também a natureza, os acontecimentos, as invenções, enfim, aquilo que produz efeitos nos “modos”, na maneira de viver, efeitos que se difundem por meio de múltiplos componentes de subjetividade que estão em circulação no campo social: “o sujeito constitui-se no dado” (Deleuze, 2001, p. 98). Não há “essências”. Parafraseando Fernando Pessoa se “o mistério das coisas é as coisas não terem mistério nenhum”, assim também o segredo da essência do sujeito é o sujeito não ter essência.
 
A mesma ideia (a ausência de uma essência) vale também para a constituição do sujeito na história e, como tal, também se aplica ao conceito marxista de “classe”1: “Como um grupo se transformará, como recairá na história, eis o que nos impõe um perpétuo “cuidado”. Já não dispomos de um proletário a quem bastaria tomar consciência.” (Deleuze, 2008, p. 213)
 
Naturalmente que o contacto, e o “cuidado”, com o dado, com o permanente fluxo de acontecimentos, provoca uma série de estranhamentos, perturbações e angústias, que forçam o sujeito a questionar-se e a produzir sentidos sobre uma experiência que, com mais ou menos intensidade, desorganiza um modo de viver até então conhecido. Nesse movimento, parte das experiências passam a compor o homem, dando-lhe uma forma (provisória). Assim, ele pode ser percebido como uma existência particular e histórica, à medida que desenha territórios subjetivos enquanto recomposições provisórias de forças.
 
A forma como Deleuze analisa a produção do sujeito remete para um processo na constituição de si e nas variações produzidas pelos encontros intensivos com o outro, um processo vivo e, portanto, provisório, uma vez que o sujeito está sempre exposto à ação de novas forças e acontecimentos.
 
Neste processo de produção da subjetividade comparecem e participam uma heterogeneidade de elementos em presença no contexto social. Estes elementos podem ser de ordem linguística (instâncias humanas inter-subjetivas, manifestadas no discurso), institucional (interações institucionais de diversa natureza, como a família, religião, comunidades tradicionais, embora estes agentes de subjetivação hoje, e cada vez mais, se encontrem fragilizados e desterritorializados), dispositivos maquínicos (como a tecnologia, os meios de comunicação) e também a ciência, o trabalho, a informação, o capital, enfim, uma lista vasta de elementos permanentemente reinventados e postos em circulação na vida social.

 
Estes componentes ganham importância coletiva e são mobilizados de diferentes maneiras no quotidiano de cada um. Podem ser modificados, reinventados ou abandonados, num movimento de misturas e conexões, difundindo-se como fluxos que percorrem, sem parar, o campo social. Por isso, essa produção de subjetividades, da qual o sujeito é um efeito provisório, mantém-se em aberto, uma vez que cada um, ao mesmo tempo em que acolhe os componentes de subjetivação em circulação, também os emite, fazendo dessas trocas uma construção coletiva viva. Não há unificação, não há centro, mas trocas, movimentos, diferenças. Logo, “indivíduo-grupo-máquina-trocas múltiplas” oferecem ao sujeito possibilidades diversificadas de recompor um território existencial, e até de sair (ou não) dos seus impasses repetitivos, através de processos "singularização".
 
NOTAS
1 “As próprias classes sociais (…) não têm o mesmo movimento, nem a mesma repartição, nem os mesmos objetivos, nem as mesmas maneiras de lutar”. (Deleuze e Guattari, 1999, p. 83)
 
REFERÊNCIAS
Deleuze, Gilles e Guattari, Félix (1999). Mil platô, Capitalismo e esquizofrenia Vol. 3 São Paulo: Editora 34
Deleuze, Gilles (2001). Empirismo e subjetividade. Ensaio sobre a natureza humana segundo Hume. São Paulo, Editora 34
Deleuze, Gilles (2008). Conversações, 1972-1990. S. Paulo: Editora 34 (7ª edição)


 
 
 
 
 

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