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sexta-feira, 22 de maio de 2015

A luz de Vermeer naqueles jacarandás

Jacarandás




Em maio aquela rua pouco iluminada pelo sol e com um habitual “timbre pardacento”, fica com a cor lilás dos jacarandás. Todos os anos por esta altura a rua vai-se transformando, desde os primeiros sinais da primavera até às copas floridas, numa metamorfose quase diária.
 
Por estes dias, uma imensidão de pequenas flores de cor lilás cai continuamente do alto das árvores e deposita-se no chão e nos carros, o que provavelmente contribuirá muito pouco para o já desgastado contento dos automobilistas, intimidados pela vigilância contínua dos técnicos do estacionamento daquela rua.
 
Mas este não é o meu caso, que, percorrendo a rua a pé, por ela subo – ou desço - mais lentamente, quase como se estivesse a admirar uma pintura que alguém colocou diante dos meus olhos. Na sua efemeridade, sei que este “quadro” não vai durar mais do que duas ou três semanas, o período em que as árvores de copas lilases libertam as suas flores sobre muitas ruas, avenidas, praças ou jardins de Lisboa, incluindo esta rua por onde passo diariamente.
 
Nesta altura do ano, a pouca luz habitual da rua lembra-me vagamente os interiores representados nos quadros do velho mestre holandês Johannes Vermeer com aquela luz perpassada e indireta que os ilumina.
O próprio universo das figuras humanas de Vermeer, que habitam esse interiores, como a mulher que despeja o leite, que toca um instrumento musical, que lê uma carta na presença da sua criada ou que borda meticulosamente um tecido ou ainda o astrónomo ou o geógrafo, são figuras também elas inundadas por uma luz difusa que mostra elementos da vida na simplicidade íntima do quotidiano doméstico das mulheres ou mesmo no mundo erudito dos homens entregues à ciência.
 
Há naqueles interiores uma suspensão do tempo, um silêncio quase palpável dos lugares comuns. É vagamente assim no eterno retorno lilás de maio, no espaço exterior daquela rua de Lisboa, cuja luz desvanecida descobre uma pequena essência na banalidade quotidiana.


 
 
 
 

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