Jacarandás
Em
maio aquela rua pouco iluminada pelo sol e com um habitual “timbre pardacento”,
fica com a cor lilás dos jacarandás. Todos os anos por esta altura a rua vai-se
transformando, desde os primeiros sinais da primavera até às copas floridas,
numa metamorfose quase diária.
Por
estes dias, uma imensidão de pequenas flores de cor lilás cai continuamente do
alto das árvores e deposita-se no chão e nos carros, o que provavelmente contribuirá
muito pouco para o já desgastado contento dos automobilistas, intimidados pela
vigilância contínua dos técnicos do estacionamento daquela rua.
Mas
este não é o meu caso, que, percorrendo a rua a pé, por ela subo – ou desço - mais
lentamente, quase como se estivesse a admirar uma pintura que alguém colocou diante
dos meus olhos. Na sua efemeridade, sei que este “quadro” não vai durar mais do
que duas ou três semanas, o período em que as árvores de copas lilases libertam
as suas flores sobre muitas ruas, avenidas, praças ou jardins de Lisboa,
incluindo esta rua por onde passo diariamente.
Nesta
altura do ano, a pouca luz habitual da rua lembra-me vagamente os interiores
representados nos quadros do velho mestre holandês Johannes Vermeer com aquela luz perpassada
e indireta que os ilumina.
O
próprio universo das figuras humanas de Vermeer, que habitam esse interiores, como
a mulher que despeja o leite, que toca um instrumento musical, que lê uma carta
na presença da sua criada ou que borda meticulosamente um tecido ou ainda o astrónomo
ou o geógrafo, são figuras também elas inundadas por uma luz difusa que mostra elementos
da vida na simplicidade íntima do quotidiano doméstico das mulheres ou mesmo no
mundo erudito dos homens entregues à ciência.
Há
naqueles interiores uma suspensão do tempo, um silêncio quase palpável dos
lugares comuns. É vagamente assim no eterno retorno lilás de maio, no espaço
exterior daquela rua de Lisboa, cuja luz desvanecida descobre uma pequena
essência na banalidade quotidiana.
Sem comentários:
Enviar um comentário