Heidegger próximo da sua cabana, na simplicidade rude e campestre da Floresta Negra
As Três Idades do Homem (em baixo), um quadro de Ticiano que aqui
retomo, é uma representação da passagem do tempo, apresentando o ciclo da
efémera existência humana em (três) planos distintos e bem identificados: a
infância (as três crianças à direita), a idade adulta (o casal, à esquerda) e a
velhice (o idoso, ao fundo).
Pode ver-se que as personagens retratadas no quadro não
exteriorizam sentimentos, o seu aspeto físico revela-nos que não se pode lutar
contra a dualidade existencial da vida e da morte, a existência é transitória. Haverá
um dramático e inexorável momento em que o afastamento da força da vida vai
sendo cada vez maior, até nos apagarmos definitivamente num afastado ponto no
horizonte, como o velho de longas barbas, que, sozinho e curvado, segura as duas
caveiras que anunciam a proximidade da morte.
Mas durante a "primeira Idade", quando somos crianças,
somos como que eternos, porque nem sequer pensamos que poderemos não o ser. Só ao
“entardecer”, quando dizem que “a ave de Minerva levanta voo”, é que vamos percebemos
a finitude da nossa condição. E chegará até o dia em que dizemos adeus a
alguém, como naquela viagem de despedida que fiz. Portanto, um dia simplesmente
descobrimos que morremos.
E, no meu caso, vou descobrindo também, aos poucos, que
toda aquela imensa “parafernália” incompreensível que enquanto estudante
tentava compreender e que dava pelo impossível nome de “analítica existencial
do dasein” de Heidegger, vai-se tornado mais próxima, agora que a vou vivendo, como qualquer outro dasein.
Claro que jamais um ser
humano foi capaz de entender tudo o que estava escrito no Sein und Zeit (Ser e tempo)
de uma ponta à outra, aliás nem sei se devemos acreditar em alguém que nos diga
que leu o livro na íntegra.
Mas, ainda assim, as linhas gerais da teoria de Heidegger
vão ficando mais claras, não na sua nitidez total mas como quando uma nuvem
deixa de tapar a luz do sol. De resto, o pensamento de Heidegger nunca será o
de um Paulo-Coelho, nem uma espécie de auto-ajuda, afinal sempre estamos a
falar de um dos maiores filósofos do século XX.
Na tal “analítica existencial”, o dasein é o ser-aí, não é o Ser (Sein).
É um ser-no-mundo, um ser-com-os-outros e um ser-para-a-morte. Quer dizer: um ser lançado
no mundo e em comunhão com os outros, que vai dando sentido à sua existência a
partir das escolhas que faz. Nessas escolhas, diante de inúmeras possibilidades
à sua frente, ele está a existir, a ser (aí). Contudo, na vasta diversidade de
possibilidades, existe uma na qual o dasein
não pode escolher: a morte.
E a compreensão desse ato de morrer coloca o dasein
num distanciamento radical do outro, e por isso, nesse momento, ele tem
condições de se compreender autenticamente, a partir da sua própria existência.
A percepção do seu limite existencial permite-lhe testemunhar a totalidade do
seu ser. Assumindo a sua limitação, o dasein sente-se impelido a procurar o
sentido da sua existência por si mesmo. Existe como finito, compreendendo o seu
ser a partir daí.
Será por isso que no seu quadro Ticiano nos apresenta os
restos de uma velha árvore em fim de vida junto às crianças, precisamente aquelas
que anunciam o começo ou mesmo a própria vida?
Não faço ideia. Sei apenas que para o nosso ser-aqui há
um antes e um depois de certas despedidas.
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