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sábado, 6 de junho de 2015

Quando a nuvem destapa o "Ser e o Tempo"

 Heidegger próximo da sua cabana, na simplicidade rude e campestre da Floresta Negra


As Três Idades do Homem (em baixo), um quadro de Ticiano que aqui retomo, é uma representação da passagem do tempo, apresentando o ciclo da efémera existência humana em (três) planos distintos e bem identificados: a infância (as três crianças à direita), a idade adulta (o casal, à esquerda) e a velhice (o idoso, ao fundo).
Pode ver-se que as personagens retratadas no quadro não exteriorizam sentimentos, o seu aspeto físico revela-nos que não se pode lutar contra a dualidade existencial da vida e da morte, a existência é transitória. Haverá um dramático e inexorável momento em que o afastamento da força da vida vai sendo cada vez maior, até nos apagarmos definitivamente num afastado ponto no horizonte, como o velho de longas barbas, que, sozinho e curvado, segura as duas caveiras que anunciam a proximidade da morte.
 
Mas durante a "primeira Idade", quando somos crianças, somos como que eternos, porque nem sequer pensamos que poderemos não o ser. Só ao “entardecer”, quando dizem que “a ave de Minerva levanta voo”, é que vamos percebemos a finitude da nossa condição. E chegará até o dia em que dizemos adeus a alguém, como naquela viagem de despedida que fiz. Portanto, um dia simplesmente descobrimos que morremos.
 
E, no meu caso, vou descobrindo também, aos poucos, que toda aquela imensa “parafernália” incompreensível que enquanto estudante tentava compreender e que dava pelo impossível nome de “analítica existencial do dasein” de Heidegger, vai-se tornado mais próxima, agora que a vou vivendo, como qualquer outro dasein.
Claro que jamais um ser humano foi capaz de entender tudo o que estava escrito no Sein und Zeit (Ser e tempo) de uma ponta à outra, aliás nem sei se devemos acreditar em alguém que nos diga que leu o livro na íntegra.
Mas, ainda assim, as linhas gerais da teoria de Heidegger vão ficando mais claras, não na sua nitidez total mas como quando uma nuvem deixa de tapar a luz do sol. De resto, o pensamento de Heidegger nunca será o de um Paulo-Coelho, nem uma espécie de auto-ajuda, afinal sempre estamos a falar de um dos maiores filósofos do século XX.
 
Na tal “analítica existencial”, o dasein é o ser-aí, não é o Ser (Sein). É um ser-no-mundo, um ser-com-os-outros e um ser-para-a-morte. Quer dizer: um ser lançado no mundo e em comunhão com os outros, que vai dando sentido à sua existência a partir das escolhas que faz. Nessas escolhas, diante de inúmeras possibilidades à sua frente, ele está a existir, a ser (aí). Contudo, na vasta diversidade de possibilidades, existe uma na qual o dasein não pode escolher: a morte.
 
E a compreensão desse ato de morrer coloca o dasein num distanciamento radical do outro, e por isso, nesse momento, ele tem condições de se compreender autenticamente, a partir da sua própria existência. A percepção do seu limite existencial permite-lhe testemunhar a totalidade do seu ser. Assumindo a sua limitação, o dasein sente-se impelido a procurar o sentido da sua existência por si mesmo. Existe como finito, compreendendo o seu ser a partir daí.
 
Será por isso que no seu quadro Ticiano nos apresenta os restos de uma velha árvore em fim de vida junto às crianças, precisamente aquelas que anunciam o começo ou mesmo a própria vida?
 
Não faço ideia. Sei apenas que para o nosso ser-aqui há um antes e um depois de certas despedidas.
 
 
Ticiano, As três idades do homem
 
 

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