Pitangas
Pour connaître toute la mélancolie d'une ville, il faut y avoir été enfant.
Walter Benjamin
No quintal da casa dos meus
avós havia uma pitangueira. Os frutos da pitangueira, as pitangas, tinham um
sabor meio ácido, meio doce, meio amargo. Exatamente com as minhas memórias de
Angola.
Como a escrita mais luminosa
sobre a infância é certamente a de Walter Benjamin, sobretudo em “Infância em
Berlim por volta de 1900", aqui fica o seu lindíssimo conto acerca de um “rei melancólico” que desejava
encontrar exatamente o mesmo sabor daquela “omelete de amoras” que um dia tinha
provado, num importante acontecimento na companhia do seu pai, na sua já
longínqua infância. Mas não é possível qualquer “retorno ao paraíso” como
bem lhe explicou o seu cozinheiro.
Este conto é dedicado à D. Joana que faz anos hoje e
que, não sendo propriamente a velhinha da choupana que amigavelmente convidou aqueles
estranhos a descansarem e lhes preparou a melhor omeleta de amoras do mundo, trouxe
consigo toda a bondade de Cabo Verde.
A omelete de amoras
Era uma vez um rei que chamava seu todo o poder e todos os tesouros da
Terra, mas apesar disso não se sentia feliz e a cada ano tornava-se mais
melancólico. Então, um dia, mandou chamar o seu cozinheiro predileto e disse-lhe:
- Por muito tempo tens trabalhado para mim com fidelidade e me tens servido
à mesa as mais esplêndidas iguarias, de modo que te sou agradecido. Porém,
desejo agora uma última prova do teu talento. Deves fazer-me uma omelete de
amoras igual àquela que saboreei há cinquenta anos, na minha mais tenra
infância. Naquela época o meu pai travava uma guerra contra o seu perverso
inimigo a oriente. Este acabou por vencer e tivemos de fugir. E fugimos, pois,
noite e dia, o meu pai e eu, através de uma floresta escura, onde afinal
acabamos por nos perder. Nela vagueamos e estávamos quase a morrer de fome e
fadiga, quando, por fim, encontramos uma choupana. Aí morava uma velhinha, que
amigavelmente nos convidou a descansar, tendo ela própria, porém, ido ocupar-se
do fogão. Não muito tempo depois estava à nossa frente a omelete de amoras! Mal
tinha levado à boca o primeiro bocado, senti-me maravilhosamente consolado e
uma nova esperança entrou no meu coração. Naqueles dias eu era muito criança e
por muito tempo não voltei a pensar no benefício daquela comida deliciosa. Já
rei mandei procurá-la, vasculhei todo o reino, mas não se achou nem a velha nem
qualquer outra pessoa que soubesse preparar a omelete de amoras. Agora, quero
que atendas a este meu desejo: fazes-me aquela mesma omelete de amoras! Se o
cumprires, farei de ti meu genro e herdeiro de meu reino. Mas, se não me
contentares, então deverás morrer. ”
Então o cozinheiro disse:
- Majestade, podeis chamar já o carrasco. Pois na verdade, conheço o
segredo da omelete de amoras e todos os ingredientes, desde o trivial agrião
até ao nobre tomilho. Sei empregar todos os condimentos. Sem dúvida, conheço o
verso mágico que se deve recitar ao bater os ovos e sei que o batedor feito de
madeira deve ser sempre girado para a direita de modo a que não nos tire, por
fim, a recompensa de todo o esforço. Contudo, oh rei, terei de morrer. Pois,
apesar disso, a minha omelete não vos agradará ao paladar, jamais será igual à
da velhinha. Pois como haveria eu de temperar a coisa com tudo aquilo que nela
desfrutastes àquela época e que vos deixou, senhor, a impressão inesquecível?
Faltará o perigo da batalha e o seu picante sabor, a emoção e a vigilância do
fugitivo, não será comido com o sentido alerta do perseguido. Não terá o descanso
no abrigo estranho e o calor do fogo amigo, a doçura da hospitalidade
inesperada. Não terá o sabor do presente incomum e do futuro incerto.
Assim falou o cozinheiro. O rei, porém, calou-se um momento e não muito
depois consta haver dispensado dos serviços reais o cozinheiro, rico e
carregado de presentes.
Walter Benjamin (1987). Obras escolhidas, Vol. II, Rua de mão
única, Editora Brasiliense, São Paulo, p. 219
Sem comentários:
Enviar um comentário