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sábado, 13 de junho de 2015

Corrupção ou o esvaziamento da democracia pelo mercado?




 
 
 
 
“O recurso à consultoria legal externa é usual no Estado. A explicação é a fragilidade dos serviços, o risco é a promiscuidade.”
In Jornal "Público", 16 OUT 2012 (itálico meu)
 
 
 
"Outsourcing legislativo", dizem eles.
Orçamento de Estado: um documento político com recurso a Outsourcing legislativo em matéria fiscal.

A dívida será um problema de corrupção ou um problema que está na base da relação do capitalismo com o sistema político representativo?

 
Aquilo a que chamamos neoliberalismo, o conjunto de recomposições do capitalismo que desde os anos 80 do século XX vem produzindo efeitos na sociedade global contemporânea, tem forçosamente que se repercutir na relação do capitalismo com o sistema político representativo.

 
No âmbito dessa relação existe uma tendência para a substituição da lógica política da representação (democracia) por uma lógica funcional, isto é, por uma mera regulação técnica-executiva do poder político, que deixa de fora a esfera representativa (os cidadãos). O próprio Estado passa a atuar segundo uma lógica bastante próxima dos “mercados” (como qualquer empresa, recorre a Outsourcing, no caso em matéria de legislação fiscal) e, como tal, muito afastada das fontes tradicionais de legitimação do Estado moderno.

 
Esta forma de fazer política tem vindo também a justificar a retirada e a “desresponsabilização” do Estado de algumas áreas, favorecendo parcerias e privatizações, bem como favorecendo a transferência de rendimentos dos salários para o pagamento das dívidas aos credores financeiros e o refinanciamento da dívida privada através de apoios públicos.

 
Isto conduz ao aprofundamento das desigualdades sociais e a forte investida contra os direitos sociais da maioria dos cidadãos (trabalhadores, pensionistas, desempregados, imigrantes, estudantes ou jovens em busca de emprego) como forma de garantir as expectativas de rentabilidade de uma minoria no topo da “pirâmide” (o capital financeiro e seus agentes).

 
Repito, não sei até que ponto se trata de um problema de corrupção ou de todo um dispositivo político de esvaziamento e paralisação da democracia, onde muitas decisões não são aprovadas, nem sequer discutidas na Assembleia da República (como a aplicação do “Memorando” da troika), mas impostas por instituições europeias e internacionais e pelos próprios governos nacionais.

 
Ainda quanto à dívida na zona euro: os tratados europeus (que também nunca foram discutidos nem referendados), designadamente o Tratado de Lisboa, impõem aos Estados a interdição de financiarem os seus défices através do Banco Central. Isto quer dizer que, na prática, o Banco Central Europeu, ou os bancos centrais de cada país, não podem comprar os títulos da dívida emitidos pelos Estados para financiar o défice orçamental.

Quando se decide romper o cordão entre o Banco Central e o Tesouro Público, obriga-se o Estado a obter financiamento junto dos mercados financeiros, o que provoca um aumento no endividamento além da dependência aos mercados (habilmente chamada "independência" (técnica) do BCE  face ao poder político).

 
No caso da Europa, a soberania política, em  termos de decisões monetárias, foi completamente absorvida pelo poder financeiro, na medida em que se cria e reforça a presença de um interveniente no processo de financiamento dos Estados: os  mercados financeiros, constituídos por um conjunto de bancos de investimento, companhias de seguros, fundos de pensões e fundos especulativos (hedge funds) que compram e vendem ativos financeiros (divisas, ações, obrigações dos Estados e produtos derivados).

 
Não estou a dizer, como é evidente, que não existe clientelismo nem corrupção. Estou a dizer que, pelo menos na caso da dívida, é um problema muito mais grave de captura da democracia.


 
 
 
 
 

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