Baseada
na ideia de sofrimento do outro, tem-se assistido no ocidente contemporâneo a um
alargamento teórico e prático acerca do Outro. Frente a um insistente cenário de controlo, de dominação e de exclusão,
temos assistido a muitas discussões pós-colonialistas de condenação do racismo,
muitos debates sobre questões étnicas, lutas pela desestigmatização dos
deficientes, movimentos queer, discriminação
positiva de género ou mesmo iniciativas pela defesa dos animais.
Parece quererem-se
reconfigurar os velhos impasses através dos muitos estudos, debates teóricos, lutas ou ações concretas
de organizações públicas, privadas ou da sociedade civil, como se o “Outro já não fosse feito para ser exterminado, odiado,
rejeitado, seduzido mas para ser compreendido, libertado, mimado, reconhecido.”
(Baudrillard, “A transparência do mal”)
Passados
mais de dois séculos das Revoluções que fundaram a era moderna, procuram-se enfim
novos contornos para antigos problemas.
Mas todos sabemos que não é bem assim.
Por um lado, as políticas
da “piedade”, ditas
inclusivas, não transformam as condições de vida daqueles a quem dirigem a sua
ação (meramente) reparadora; Por outro,
as sociedades modernas, desde a sua fundação até aos dias de hoje, desenvolvem um processo intenso de individualização,
pelo que a “simples” política
ou uma certa ideia de justiça não são instâncias capazes de reverter a
desigualdade e transformar a condição social do outro, sem a implicação de cada
um de nós.
Por isso, na sequência daquela frase, Baudrillard
conclui: “Lá onde havia o Outro, adveio o Mesmo”.
Também
Maquiavel dedicou o capítulo XVII da sua obra “O Príncipe” “à Crueldade e à Piedade”.
Diz ele: “Todo o príncipe deve desejar
ser considerado piedoso e não cruel; entretanto devo adverti-lo para não usar
mal esta piedade (…) Um príncipe não se deve preocupar com a fama de ser cruel
se desejar manter os seus súbditos unidos e obedientes”, alertando ainda para o
facto da “excessiva piedade deixar evoluir as desordens”. (O Príncipe, XVII)
É também neste
capítulo, que encontramos umas das mais célebres passagens de Maquiavel,
segundo o qual, ao Príncipe é desejável fazer-se amado e temido.
Mas, como é difícil combinar as duas coisas, muitas vezes é preciso optar entre
um ou outro. Nesta caso, “é mais seguro ser temido do que amado, quando se tem
de desistir de uma das duas”, isto porque “os homens têm menos receio de
ofender a quem se faz amar do que a outro que se faça temer” (Príncipe,
XVII). É que o vínculo do reconhecimento que mantém o amor é rompido todas as vezes
em que há interesse, ao passo que o temor é mantido pelo medo do castigo, que
sempre está presente.
A Europa aprendeu a lição de Maquiavel.
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